Existem inquietações que estou muito longe de entender. Talvez a única ansiedade que eu entenda seja a minha, porque na maioria das vezes meu conhecimento de mim mesmo é mais que suficiente, não preciso saber dissecá-la com teorias nem conceitos que desconheço.
Partindo de mim mesmo, então, meu cotidiano de duas semanas pra cá, na UnB gravemente doente por sua decadência, há indignação. Há gente reclamando por todos os lados. Há também ameaça de uma nova greve de servidores. Há epidemias e os que torcem por elas, que em geral são os que já foram contaminados. A mais grave das epidemias é da Síndrome de Barnaut, muito mais grave que a ameaça de um ebola ou da "pneumonia da morte". Ela é a síndrome da desistência que faz educadores se tornarem ridículos, paspalhões, desastrados e prejudiciais. Basta se lembrar de Colingwood para traçar a linha reta da semelhança entre Barnaut e a "morte" do artista e do ser humano colingwoodiana. Pena que no Departamento de Artes Visuais Colingwood não seja parte de nenhuma bibliografia, e talvez isso faça com que muitos professores pensem que nenhuma relação existe entre a arte que fazem e a aula que lecionam.
Colingwood é o que há de mais convincente sobre a responsabilidade ética enorme que tem um artista. Essa responsabilidade é a causa, mais do que a conseqüência, da capacidade de revelação inalienável de qualquer obra, movimento, gesto, pensamento, palavra... artísticos, pois o domínio das linguagens artísticas antes totalmente intuitivas que as ciências da percepção e as artes e filosofias formalistas deixaram abriram um rombo na lona pintada linearmente desde o Renascimento. Como conseqüência, as vozes estão soltas e tanto o mundo do real quanto do imaginário cogitam a possibilidade de esquisofrenia (não é difícil ver alguém claramente normal se chamando de esquisofrênico): a indústria da moda e as ciências do convencimento consumista, irmãs do Marketing e da Publicidade, fizeram-se apropriar do que puderam até hoje dos tais avanços objetivos; já alguns artistas, em euforia consumidora tentam em série engolir códigos de barra e forçar a arte a comê-los. Algumas vezes, isso dá barato, algumas irrefletidas vezes em que se rejeitam os "priori" e se vale da ação.
Sem perder o fio da meada, a ação artística é reflexiva, ela sim vem junto com a (auto)teoria, e isso também quer dizer que se pode falar em arte da vida, arte da gesticulação, arte da matemática... Todas enquadradas em uma esfera maior da arte do entendimento por via da emoção. Aí está a razão pela qual a Estética nada na mesma pscina que a Moral e a Lógica. A falha ou a desistência do senso de realidade humana dos objetos dessas disciplinas (o belo, o bem e a verdade - já desamarrados de sua base positiva) desestruturam o indivíduo. Os constrangimentos ainda podem levar ao abandono da emoção como uma tática de não-sofrimento: entra em ação, segundo o bacana, maravilhoso e magnífico Colingwood, a morte.
Se minha visão é trágica, basta saber do alto índice de envolvimento de franceses e europeus com o extermínio de judeus na época do Fascismo (em que vivia Colingwood) e da conversão inacreditável dos ingleses de hoje de menos de trinta para mais de setenta por cada cem deles ao apoio dos bombardeios, confrontos e demonstrações bélicas que para os chamados aliados são espetaculares como para um ser normal ir ao circo ver o globo da morte. Os que desistiram, não só os iraquianos e boa parte dos registros históricos sobre o nascimento da humanidade e da escrita (logo, da lógica), morreram, não podem mais exercer sua saúde física e material.
Por aí vai a minha ansiedade, essa agonía de estar vivendo entre um certo número de mortos e doentes em estado grave. Não só um dos coordenadores do curso de Artes Plásticas parece ter abandonado o barco dos lúcidos e amantes da arte (e da emoção) como nos corredores inúmeras pessoas reclamam do caos de não haver professores, das turmas estarem abarrotadas, de alunos de fora da universidade estarem sendo levados para assistir aulas no lugar de alunos matriculados que não conseguiram cursar sequer uma disciplina (nem um crédito) por falta de turmas e vagas... Reclamam como se agonizassem, culpam o CA e tudo quanto poderia ser sua alternativa e salvação, mas não conseguem mais nada além de dizer repetidamente que o erro é de fulano. Assim, o tumulto toma ares de cemitério ou de hospital. Sem possibilidades de amadurecimento pelo debate, os hospitais lotam e falta remédio (como ocorre em Brasília) e o cemitério do Plano Piloto é um caos, todos serão enterrados no quintal do VIS.
quarta-feira, abril 02, 2003
Postado por allan de lana às 8:39 PM 0 comentários
Assinar:
Postagens (Atom)