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allan de lana

sexta-feira, dezembro 28, 2007

amigos, quanto tempo!

há um pote de fubá aqui. eu o guardo, pois de certa forma ele me deu uma força pra pensar sobre a relação que o povo da serra do cipó, no povoado de cardeal mota, estabeleceu com sua história. mas hoje mal consiguiria me aprofundar nesse assunto, pois olhando aquele pote de fubá (talvez como sátira inusitada a descartes quando olhou para a cêra de abelha e descobriu que pensava - vide a número dois das suas meditações) e lembrando de algumas das minhas escolhas e caminhadas recentes fiz uma nota-poema de viagem.

é uma nota-poema para aquelas horas em que nos cobram, mesmo em pleno caminho, sem um porto-seguro, um comportamento delineado e estável, conforme um desejo típico de uma família bem acabada em que os nomes próprios acabam mesmo sendo os atributos principais das pessoas, as quais se moldam conforme a idealização prévia que o nome nomeia.



ao lado: still do vídeo "ave!", no qual aparece o fubá a que me refiro















Estávamos tão bem moídos...

Há planos para todo lado.
Planos e reticências moídos
mas cheios de poréns
e querendo voltar a ser milho.

Só não me esqueço
daquele fubá com carunchos:
bem moído era...

estávamos felizes
grudando fubá com a baba
e sendo fubá moído por dentro...

Não seremos milho novamente,
não adianta - nunca o fomos!
Você lembra?

Lembra do que não fomos?
Não o seremos novamente.


feliz ano novo

domingo, novembro 04, 2007

relato sobre gravar

o caminhar realiza a individuação - percebo comandar meu corpo e ter dele consciência. quero dizer: ponho o real em relação a mim... o que se realiza? a consciência - que em nada pressupõe verbalização ou referência ao mundo pela via de um código instituido - forma-se como um "self" que sustenta todo objeto da vivência. Esse, lança perspectiva às coisas que percebo - a pedra, o trigo... -, não importa que sejam independentes, pois são postos mesmo assim em perspectiva. (não temos o objetivo de discorrer sobre husserl e merleau-ponty, mas podemos lembrar que esse retoma aquele para desenvolver tal aspecto fenomenológico - o self a partir do qual se visa).

nosso relato vem indicar a possibilidade de um aprofundamento da individuação. caminhando, tomamos consciência do corpo e de sua consciência, de que o comandamos e ao mesmo tempo nos constituimos como "eu" - não de forma bipolar como revelação, nem binária. caminho em direção a uma árvore e esse ato a aproxima, então posso intuir que aprendi a compreender o corpo nessa autonomia da vontade que dialoga com o universo. processa-se uma gravação dialógica, um temporizar intransitivo: deixo o aspecto propício ao "eu" ganhar forma na duração do self em seu deslocamento exterior. esse, radicaliza as vivências corporais individuais e, na medida em que corresponde à constante movimentação da consciência, mantém vínculo com individualidades e sentidos mais profundos.

o campo da vivência, daquilo que se registra na consciência de determinada maneira, possibilita considerar o horizonte em expasão da formação do "eu". se caminho agora para longe da árvore, tenho o sentido daquilo que fomos enquanto estávamos próximos e de toda a transformação operada em nosso distanciar. se é assim que vejo minha posição agora, como um movimento total, não como recorte ou fotograma de instantes determinados, então para minha consciência não faz sentido separar passado e futuro, pois o tempo está no vivido. Assim, a vivência situa-se em uma rede temporal mais elástica do que o sentido que atribuimos ao momento presente ou ao passado.

na individuação minha vivência consiste em um sentido por adiamento, isto é: viver de trauma e lembrança e constituir a memória agora, sem cindi-la pela noção de passado, enquanto me desloco sobre a vaga ("lugar, espaço que não se encontra ocupado e pode vir a sê-lo", segundo o dicionário houaiss). sei, então, que sou este ser, porque sou capaz de condensar em mim toda a distância vivida desde aquela árvore. contudo, isso também significa protelar a memória - continuar a adiá-la - e habitar a impermanência, com a sensação de proximidade com o que esse longo caminho traz a mim.

Estou mais perto de ser real.
Não dependo das rédeas,
seguro-me nas crinas.


nesses versos de carpinejar (extraídos da obra cinco marias) parece habitar a consciência da proximidade. a dependência das rédeas seria tomar o real como aquela segurança provedora de seio materno. por outro lado, segurar-se nas crinas significa assumir a inconstância, habitar o devir após abandonar as certezas de que seremos salvos da queda como sujeitos passivos na tradição e na cultura. só por reducionismo se pode cindir de nós o futuro...

caminho há vários dias e noites e carrego comigo um gravador. não há ninguém ao meu lado. carros passam. cavalos. pessoas empoeiradas com também já estou. estabeleço relações temporárias em terra alheia onde sinto propriamente constituir uma origem, pois é nela que me permito abandonar as certezas e a fé. a família deixa de carregar o símbolo de verdade, de conformação. toda tradição vira refluxo passível de mostrar-se no agora - não se pode guardar esse presente no aparelhozinho digital que carrego. a mão provedora não me extende seus ídolos, nem seu conforto, e posso habitar o caminho que desconheço - distraio-me e esqueço o aparelho que está a gravar, deixo de tentar comandá-lo.

sou um andarilho na paisagem, uma vaga móvel. caminho e distancio-me - condição propícia para que o trauma fulmine e seu existir irredutível e imemorial revele-se como traço no presente. esse é o caráter de uma lembrança na qual a família não será mais a boa maneira edipiana da castração-educação.

a distância é o que permite que a família e a amizade germinem à diferença das árvores genealógicas, cujos galhos brotam de "lugares certos" e mimetizam ou preenchem a forma segura, idônea. enquanto me distancio desse jogo de espelhos (estabelecido com o passado, com a certeza ou com o ego) encontro o fio cortante dos ídolos e o vivo como traço. o símbolo, que é o real familiar; e o pasto, real da percepção enquanto caminho e o vejo, conectam-se com aquilo de que me aproximo - são protelados. a gravação como prova do real tem um mesmo aspecto de ruína. mas de fato a esqueço, pois a consciência é uma distração para com o que se crê presente. por isso, ela aflora em direção ao horizonte, onde já não está em mim. Lá, constituirá o sentido de um adiamento para o agora no qual implico, como uma espécie de cosmogonia - todos os eus do universo, suas inconstantes gravações e complicados palimpsestos.

domingo, outubro 21, 2007

... poema a anaxímenes...

En
golir
pelo
ar
do

ar

pelo
nariz
riss.

Ar que tudo une:
inspirar o mundo
inspirar moléculas de Platão
inspirar e levar ao pulmão
a pobre que dormiu na várzea.
Inspirar tudo o que já se foi

expirar
e
pirar
e
irar e ar.

ear
que une
os ouvidos.

Peido
que une
intestinos.

O ar.
O uno.

sábado, outubro 13, 2007

A alma que desperta com alvoroço
Faz a poeira levantar.
Os grilos saltam para fora do seu caminho.
Os pássaros, com presságio, voam-se.
Camaleões, cobras, urubus e até a menor criatura
pensa na maldade da alma que se aventura
fora do sonho, fora do mundo dos espelhos -
ela só vê o além-de-si,
por isso tem o diabo estampado no senho
de tão benevolente, mesmo que por princípio insegura.

O mundo dos espelhos no qual ela dormia
é cheio de poeira do lado de fora,
encima.
O primeiro sinal de sua ruptura,
na qual saiu (saiu pra fora!), pé na estrada,
é que isso cria nuvens no mesmo instante
e grandes chumaços de pó
que às vezes lembram teias de aranha.

Mas as nuvens se desfazem
porque retornam à superfície -
são elas que espalham o pó no ambiente.

Essa nova configuração
renova a atmosfera no interior do espelho
e cria-lhe um outro fora, um outro exterior.

E os pássaros?
E as formigas?
E os camaleões?
As cobras?
Acaso eles também não mudaram seu caminho?
Sim, e seus batimentos cardíacos se alteraram.
Algum morreu de infarto... Isso é possível...

Depois desse passeio a alma retorna ao espelho.
Aos poucos as coisas chegam à estabilidade -
o exterior e também ela própria, sua aparência,
que é a expressão do que ela é.
Aos poucos a alma se deposita de novo
em si mesma e segue como um recipiente
cheio de poeira e seres infinitamente pequenos.

terça-feira, outubro 02, 2007

alguns tópicos por desenvolver...

uso e esgotamento da linguagem
uso e esgotamento da política
uso e esgotamento do uso
uso e esgotamento da moda
uso e esgotamento da ética
uso e esgotamento da propriedade
uso e esgotamento do trabalho
uso e esgotamento da criatividade
uso e esgotamento da técnica
uso e esgotamento da objetividade
uso e esgotamento da ciência
uso e esgotamento do arquivo
uso e esgotamento da reprodução
uso e esgotamento da educação
uso e esgotamento da vontade
uso e esgotamento da possibilidade
uso e esgotamento da incidentalidade
uso e esgotamento da leveza
uso e esgotamento do amor
uso e esgotamento da lembrança
uso e esgotamento da transitoriedade e da permanência
uso e esgotamento do mito
uso e esgotamento de si
uso-esgotamento do acesso ao outro
entrega à paixão pela liberdade
uso e esgotamento da paixão
esgotamento do uso.

Bem
que te acompanha
nas sombras da tua orfandade.

Bem
que te desforra
como sombras cobrindo a montanha.

Bem
que te escurece
como o ponto iluminado na intransponível

sombra
que te adia
e faz nasceres no caminho, na distância.

segunda-feira, setembro 10, 2007

O Rio corre vazio;
A luta de classes continua
Ruinas feias mitos pobres
Quem vive o prazer da natureza sem geografia.

. . .Glauber Rocha, Roma, 1979 - Poemas Eskolhidos


Divulgo o escritor Jason Frutuoso.

a forma final de sua primeira obra a ser publicada, "Samuel e o Bezerro Dourado", tem forte participação familiar - as ilustrações internas feitas por mim, a capa e a contracapa ilustradas e diagramadas pelo Alex (meu irmão) e a constante e intensa revisão geral da estória por nossa mãe.

o enredo, originalíssimo, conta dois dramas principais: o de Samuel diante das situações de iminência da perda de seu querido bezerro, Dourado, e o do narrador-personagem diante da sua iminente morte, que poderia significar a interrupção da narração. em uma análise que relacione vida e obra do autor - conhecido em brasília como psicólogo atuante - notamos que o cenário da trama, inquestionavelmente, são as suas próprias memórias da paisagem mineira e da realidade social das redondezas do Vale do Rio Doce, onde passou a infância.

o livro, já revisado, arte-finalizado e com duas bonecas prontas está em ponto de impressão. assim, estamos iniciando uma busca por patrocinador(es) e editora interessados.

veja mais detalhes no site do autor, www.jasonfrutuoso.com.br. os interessados em saber quando for ocorrer o lançamento podem entrar na "Lista de Interessados".

segunda-feira, setembro 03, 2007

O Vento

Queria transformar o vento.
Dar ao vento uma forma concreta e apta a foto.
Eu precisava pelo menos de enxergar uma parte física do vento: uma costela, o olho...
Mas a forma do vento me fugia que nem as formas de uma voz
Quando se disse que o vento empurrava a canoa do índio para o barranco
Imaginei um vento pintado de urucum a empurrar a canoa do índio para o barranco.
Mas essa imagem me pareceu imprecisa ainda.
Estava quase a desistir quando me lembrei do menino montado no cavalo - que lera em Shakespeare.
Imaginei as crinas soltas do vento a disparar pelos prados com o menino.
Fotografei aquele vento de crinas soltas.

Fonte: Manoel de Barros - Ensaios Fotográficos.


O vento balança as jubas folhosas,
As quais guarnecem jornadas por terra,
Previnem do olhar celeste viagens interiores.

Desbravador que aos topos se lança
Em tais meandros devassa trilhas
E sobe pedras a içar montanhas.
Concretiza nos cumes as ventanias,

Igual cariátide que engolisse um buda,
A sustentar - mais alto do que os píncaros
Que o levaram nas entranhas -
O infinito na ponta dos cabelos.

Fonte: Allan de Lana - caderno de explorações, M.G./D.F., 2007.


trechos de um inventário de ruídos

30: motor, silêncio.
31: parece buzina e latido; vinheta de rádio - futebol.
32: silêncio.
33: silêncio; ruídos muito ao longe.
34: caminhão, assobio esquisito - janela do quarto de barbacena.
35: motor; ruídos muito ao fundo.
36: em busca de rua do Largo do Rosário.
16: Gilson, descompressão, caminhada grav. no bolso, música e carros ao longe, caminhada lenta piano, porta, cão.
17: tráfego.
19: latidos, repetição constante de cliques.
20: indefinição com cliques.
21: idem + latidos a 1'55'', jatos de vapor.
22: ruído constante, motor, clique de trem, trilhos.
88: pássaro perto da cachoeira.
89: água da fonte do IBAMA caindo no ralo.
90: idem, com mais variações.
91: aparentemente, silêncio total.
92: ?
93: pássaros.

terça-feira, agosto 28, 2007

explorações

Freud, em cartas a seu médico Fliess, começa a explanar-lhe o que seria o conceito de exploração, o qual é retomado por Derrida na década de 1960, para compreensão de como a teoria literária poderia contribuir com a psicanálise e valer-se do seu legado nas investigações sobre a leitura e aquilo que se chamou diferencia (uma espécie de ato constante de diferir e construir-se a partir da diferença - em francês, differance). por um lado, teríamos a impressão do que se sente, do que vem de fora (o tato, por exemplo, é sentido nos dedos ao digitarmos no teclado), impressão a cada vez iniciada e apagada, um estímulo não memorizado e recebido sempre como se fosse o primeiro. por outro lado, tal estímulo levaria informação a neurônios do cérebro capazes de armazená-la, porém sempre parcialmente e, a cada estímulo, surgiria a sensação de memória a partir das diferenças entre as suas explorações. exploração é um conceito-chave para pensarmos as transformações do século XX nas artes visuais e performáticas, não só se estivermos focados em literatura, pois dificilmente terminaremos uma lista dos inúmeros artistas que se valeram da citação ou da repetição. Só como um dos exemplos possíveis, buscamos um comentário do crítico português João Lima Pinharanda sobre a pintura de Jorge Martins, ao considerá-la "sombra sem corpo":

Uma dança de espectros assombra, no sentido direto da palavra, a realidade contemporânea.

Usando toda a sorte de duplicações e desmultiplicações, cópias, clones do velho, mortal e gasto corpo humano (de que menos recusamos a admitir a fragilidade heróica, que desejamos esquecer e que desejamos descartar), as sombras são aquilo que podemos designar como o que nos resta, como o lixo.

(...) reproduzimos os seus movimentos [movimentos do corpo] de desesperado e inesperado explendor, projetando-o na tela de um cinema, fazendo-o brilhar no monitor de uma televisão (ecrãs), repetindo-o na tela de uma pintura. Mascarando-(n)o(s).

não obstante esse aspecto assobroso de um duplo ameaçador que se faz tão presente no mundo contemporâneo, a possibilidade de que a memória tenha algo de positivo também estaria, segundo Freud, sujeita à exploração, na qual não há uma origem, um arqui-sujeito. Segundo ele, o "arqui" está riscado, mas, sob riscos, o vemos legível, como isca a atrair-nos para encontrá-lo intacto.

o áudio abaixo resulta do aspecto produtivo e, para mim, positivo da exploração, no qual ela não representa uma perdição em busca do "arqui". tratam-se de fragmentos da obra gradeado, editada hoje, uma exploração a respeito de uma cerca que encontrei próxima de uma rodoviária - cuja imagem lembro vagamente - em volta de um curioso monumento maçonico e também a respeito de uma enorme escultura com metal enferrujado e repleta de vazios, vazios enormes e vazados, da autoria de cildo meireles.




gradeado


domingo, agosto 26, 2007

estou de volta e pretendo fazer postagens ainda mais espaçadas, porém densas (ou com potencial) e legais! agora só preciso descobrir como fazer para postar sons, mas não se preocupem, parece que o blogger tem novas funcionalidades para hospedagem de arquivos e vai me ajudar um pouco com isso. sejam bem-vindos.


o novo formato traz os arquivos do blog para imediatamente após a área de postagem, a qual comportará sempre as três últimas inserções que eu fizer. também incluí, pela primeira vez em todos esses anos, o meu perfil, pois sempre eu soube que não tinha um perfil comportamental, um estilo ou um padrão para ver, ouvir, agir e agregar, só que atualmente eu sei expressar essa situação de uma maneira minimamente compreensível.


qual o assunto das próximas semanas? você pode sugerir algum, mas penso em trazer uma leva de poesias geográficas que estou desenvolvendo junto com reflexões, aquarelas e edições de imagem e som. também trarei alguns desses sons. ao mesmo tempo, acredito que anotações, no momento superficiais, sobre paisagem, linguagem e memória possam ser compartilhadas com os leitores para estimular comentários e quem sabe trocar contribuções com quem estiver interessado no mesmo assunto.


até mais!

terça-feira, março 13, 2007

verni de abertura das obras 'fêmea' (allan de lana) e 'toca' (matias monteiro e luciana paiva)
dia 15/03, a partir das 19h, na casa de cultura da américa latina (CAL) - SCS Q. 4, Ed. Anápolis - telefone (61)3321-5811.

visitação de 16/03 a 17/04 - de terça a sexta, de 12h a 20h; sábados, domingos e feriados de 12h a 18h.

sábado, fevereiro 17, 2007

olhe ali, na metade inferior do post do dia 7 de janeiro... lá está o jardim de epicuro que eu tinha prometido.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

bem... começo aqui, pela primeira vez neste blog, com esse pigarro. o motivo é que eu disse que iria complementar o texto sobre Epicuro com um outro texto a respeito dos amigos que se reúnem em um jardim. ainda não fiz isso e nem, como faço normalmente, apaguei a frase que se refere a esse assunto, o que seria muito mais cômodo pra mim... ocorre que de fato ocorrerá esse acréscimo, porém tenho-o dificultado com uma meta que me impus, de eliminar da vida certas contradições. parece-me que essa 'desterritorialização' não é nada fácil, até que se realize com facilidade. tenho tido alguma dificuldade em retomar um raciocínio prolongado na escrita e nas atitudes em um nível mais agudo do que eu vinha tentando. quando dores no joelho me impediram de continuar tentando alongar minhas lentas e demoradas corridas, notei que algumas categorias ainda estavam tão arraigadas em meus hábitos que meu pensamento, que eu tinha dificuldade de conceber sem que se desse no plano dos objetos e das ações, ocasionava um desgaste físico grande. mas ficar 'parado', sem fazer quase nenhum exercício longo, também leva à degradação do organismo, que fica sedentário, logo impossibilita-se aos pensamentos mais agudos, extendidos e re-generados no corpo. além disso, tal situação promove a ansiedade e a dissipação de energia em pequenos atos auto-flagelatórios e em círculos irresolutíveis do pensamento (lembro-me por isso vagamente da linguagem corporal na criança, tal como abordou Henri Wallon, cuja ausência levaria a um degradante 'circuito perverso' da desmotivação impulsionada pelo não-saber e não atuar). enfim, gostaria de retomar de um modo muito mais vigoroso aquele primeiro pensamento corporal e isso tem cobrado-me esforço e uma desadaptação que acaba levando a um certo abandono temporário de algumas sistematizações. esse grande parágrafo termina aqui e eu partilho de um poema-comentário que recebeu o número sessenta - surgido em um contexto um pouco distinto desse que expus.


60 - resposta aos comentários

queria comentar
sem dizer nada.

e o nada que
não
tenho a dizer
é.

ilustrar
me faz parar
de roer as unhas
(uma terapia),
coisa que também
é prazerosa -

dói sem ninguém ver,
termina secreto
e sem velas
como a saliva
de um enforcado
político.

eu não disse nada.

domingo, janeiro 07, 2007

homenagem ao 2347º aniversário de Epicuro
nascido em Atenas, em janeiro de 341 a.C., epicuro foi para Samos ainda novo e lá conheceu o platonismo, diante do qual não pareceu entusiasmar-se. aos 14 conhece o pensamento de demócrito por Nausifano. efebo, volta a Atenas em 323 a.C. para tornar-se militar. a cidade havia sido derrotada pela Macedônia, sua família, que, ao que se apregoa, fora nobre, perdera então suas terras. Epicuro vai a Colofônio em busca do pai e ali aprofunda-se em uma literatura tradicional que nota não ter mais crédito espiritual entre os seus contemporâneos. Na introdução dos Pensamentos por Johannes Mewaldt (Editora Martin Claret, 2006), mostra-se uma gama de pensamentos astrológicos aos quais se atribui um pessimismo de época, vinculado, ao que nos parece, ao humanismo então predominante e à decadência que representou a derrota de Atenas e influiu na depressão daquele humanismo. porém, a vacina de Epicuro que, em nosso trocadilho, os cínicos (do grego kúón, kunós, cão, pelo latim cynìcus - Dicionário Houaiss) não tomaram - apesar de, segundo relatos, terem vivido com verdadeiro e impressionante desapego - foi o atomismo de Demócrito. a concepção de um universo além e maior que as paixões humanas fornece ao epicurismo uma chave da ataraxia, isto é, da vida feliz no conhecimento e no exercício da razão.

o atomismo de Demócrito (circa 460-370 a.C.) foi desenvolvido a partir dos ensinamentos de seu mestre Leucipo. nessa doutrina, nada nasce a partir do nada e os mundos são numericamente ilimitados, perecíveis e composíveis. o que forma primordial e naturalmente esses mundos são os átomos e o espaço vazio. segundo a doxografia, os átomos têm grandeza e forma. a essas duas características Epicuro acrescentou o peso, que faria os corpos moverem-se. os átomos não seriam divisíveis, porém os corpos que compõem, sim. para Demócrito a natureza dos átomos é estática, o o seu movimento resultaria do choque entre corpos e do impulso decorrente.

o universo de Epicuro é igualmente atômico e sua grandeza vai muito além da capacidade de apreensão do ser humano, que não experimenta seus extremos, e só poderia intuir, assim, a sua infinitude. mas seria um dever desse ser tão pequeno criar as condições de sua felicidade, o que faz do epicurismo um eudemonismo. ele opõe-se a Demócrito no ponto em que este considera que se estamos apartados da verdade, devido à diversidade dos átomos e imagens que só afluem-nos como percepção. Epicuro quer infalíveis os órgãos sensoriais. porém, nas duas concepções, o conhecimento que deve guiar a ordem do espírito está ligado às coisas por meio da sensibilidade. a sensibilidade fornece um tipo de dado empírico dos antigos. a partir do conhecimento dela a vida pode ser guiada pelo prazer, à felicidade (euthimia demócrita). a hedoné, ou prazer, pode ser interpretada como ausência de dor que proporciona o gozo pleno da existência. o epicureu, porém, é o oposto de um promíscuo, o que ele procede é a escolha dos prazeres que lhe são adequados, a partir do conhecimento da natureza em sua totalidade. esse conhecimento seria dado satisfatoriamente pela física atomista.

nessa doutrina, o movimento dos átomos lhes é constante e as qualidades desse movimento têm limite. mas a diversidade de formas atômicas é infinita e sua minúscula dimensão inapreensível. os átomos podem conectar-se e desvencilhar-se, quando são consoantes respectivamente à vida ou à morte.

quanto à vida, o ser humano tem a alma idêntica ao corpo e ao desfazer-se, termina qualquer possibilidade de perpetuação espiritual. o além é uma criação maluca, pois é inconcebível uma existência sem corpos.

a isso parece conectar-se André Comte-Sponville na sua noção de "alegre desespero". pois se a constatação da morte definitiva assustaria, dela Epicuro faz uma justificativa para uma felicidade, assim como a de Demócrito e Leucipo, calcada na tranqüilidade do espírito que nada deve a nenhum além. não há nada com que se exasperar, não haverá punição e os deuses não interferem na vida ou na morte humana, vivem "na sua", no que Epicuro chamou de entremundo.

essa doutrina parece ter chegado até nós graças ao poema latino De Rerum Natura, de Lucrécio, que influenciou sobretudo Virgílio e Horácio. a sua retomada deveu-se à biografia do filósofo publicada por Diógenes Laércio e à obra Epicurea, de Herman Usener.

há ainda outro modo pelo qual Epicuro nos chega, pois milhares dos seus átomos dissipados ou outros semelhantes aos seus, constitu-nos e temos com ele uma ligação cósmica, assim como todos os pensadores da felicidade ou do rancor que o sucederam. isso é uma felicidade e estamos de parabéns por mais esse aniversário de Epicuro! Em breve, registraremos aqui uma hipótese de sua festa no Grande Jardim filosófico do Planalto Central da Atenas brasiliense, rodeado de amigos. a festa será aqui, neste mesmo post do dia sete de janeiro (que não é o dia exato do aniversário).

Bibliografia básica:
EPICURO. Pensamentos. São Paulo: Martin Claret, 2006. (Coleção Obra Prima de Cada Autor).
BORNHEIM, Gerd A. (Org.). Os filósofos Pré-Socráticos. 12ª ed. São Paulo: Cultrix, 2003.


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jardim epicureu
é difícil conservar a idéia do jardim de Epicuro nas mentalidades de hoje em dia. um dos motivos principais - além da distância cultural entre nós e ele e das conseqüências da globalização que põem em cheque as fronteiras do público e do privado, da amizade e do desconhecimento - é o excesso afirmativo da doutrina cristã que impregna o pensamento ocidental. é preciso abdicar da idéia de um Deus criador se quisermos pensar em um jardim epicureu, em que os prazeres não podem ser isolados nem em um órgão, nem muito menos nas mãos de um deus.

à diferença de um jardim da idade média, no qual encontra-se a idéia de paraíso (palavra persa que, segundo Kenneth Clark, significa espaço cercado por muros) em que Deus pode ser visto nas pequenas coisas, nos seres menores, o jardim de Epicuro evoca a sabedoria do corpo e do espírito. Clark fala dos jardins de Siena pintados no séc. XII que neles os sujeitos colocava-se entre uma jornada dentro da natureza e uma contenção diante dos perigos de corrupção da Ordem de Deus. daí serem os jardins delimitados, cercados, livrados da peste negra que assolava os miseráveis além dos muros e das tentações de uma natureza obscura. Epicuro, entretanto, um grego que fundou seu jardim filosófico em Atenas, não teve de temer nem a peste negra nem os prazeres. no séc. IV a.C. grego a guerra era mais temível do que a doença. além disso, para o atomista em seu jardim os prazeres não poderiam corromper, como uma natureza cujo âmago reservasse tragédia e perdição aos sentidos.

dentre os 40 aforismos de Diógenes Laércio sobre Epicuro temos alguns a respeito do conhecimento da natureza (os de número 10, 11, 12, 25, 29, 30 e 31 fazem-lhe referência direta) que demonstram um entusiasmo impensável para um cristão preocupado com a gênese. o atomista ocupa seu pensamento e vida investigando o modo como o cosmos e o eu vêm a ser, ignorando a sua origem e libertando-se da angústia perante a morte - ele não deve penitência nem graças aos deuses. o medo da morte é um bloqueio para o prazer da vida no jardim de Epicuro. no fragmento 12, Laércio diz: "É impossível perdermos o medo que temos de nós quando indagamos sobre aquilo que acontecerá no fim da nossa vida, se não estivermos instruídos a respeito da constituição do universo (...). Sem o conhecimento da natureza, não gozaremos, pois, inteiramente, prazer nenhum." assim, se construímos "nossa segurança perante os homens" sem que "os acontecimentos no céu e na terra, isto é, no universo infinito, possam causar-nos algum receio" (D. Laércio, aforismo 13), estaremos abertos ao prazer. a felicidade aqui está baseada em uma vida tranqüila e segura, que nenhum deus, nenhum além, nenhuma morte ou mundo outro poderiam proporcionar, pois pertence ao mundo das coisas limitadas, terrenas, vivas e presentes.

a percepção dos corpos, em Epicuro, deve ser colocada entre os fundamentos de uma fenomenologia que retoma elementos de um pensamento pré-moderno. o jardim, aqui, é mais semelhante a uma vontade de conhecer e estar próximo do que de isolar-se do mundo em crise e estar distante do mal natural oculto. a carne biológica, física, proporciona prazeres fugazes de um desejo infinito, dependente inteiramente de um tempo ilimitado e angustiante, que se repetirá incansavelmente. já o saber, está ligado à sensibilidade da carne, logo à finitude ou a uma delimitação racional do mundo para que este ganhe sentido. o pensamente epicureu não se direciona à sensibilidade pura, mas ao espírito, em sua capacidade de apreender, avaliar, limitar, acabar com toda ilusão de eternidade e com a angústia do desejo insaciável. eis, então, um jardim que nos convida a deleitar e pensar os fenômenos com um grande senso de presença e realidade.
o jardim de Epicuro é do prazer presente. além disso, nada faz sentido, nada enaltece, nada é justo, nem nobre, nem venturoso a priori. toda a justeza humana, que muitas vezes é atribuída a determinações divinas, é fruto de convenções acerca do lugar presente e da necessidade de uma convivência harmônica que deixaria que a felicidade e o prazer fossem preservados. parte do aforismo 20 de Laércio demonstra que há prazer somente enquanto há carne e sentido. "... Verdade é que o homem sensato não evita o prazer, e quando finalmente as circunstâncias o obrigam a deixar a vida, ele não se comporta como se esta ainda lhe devesse algo para a suprema existência." uma tal vida, feliz e plena, só é possível se vivida com paz na alma, característica que Epicuro, no seu fragmento 31, diz ser o mais belo fruto da justiça. assim, o sábio é aquele que cultiva leis para preserva-se das injustiças que ameaçariam a paz de sua alma e dissipariam os seus prazeres.

Por fim, além de brindarmos a segurança do jardim de epicuro - que é dada tanto por uma saída da massa dos homens que têm uma concepção comum de que os deuses proporcionar-lhe-ão felicidade quanto pela existência da amizade - dizemos que lá é um lugar de vida ativa. pois "é sem valor pedir aos deuses aquilo que nós mesmos podemos realizar" (aforismo 19 de Epicuro). o presente e a vida simples são muitas vezes renegados erroneamente como lugares de utopia por uma sociedade que crê no real como uma vasta torre econômica lavrada por um Deus antropomofizado que, por ser justo, determinaria toda injustiça e desigualdade sociais, julgaria os bons como ricos. mas a sociedade assim formada é ilusória, pois o presente é lugar único da satisfação e da saciedade e no qual podemo-nos realizar, enquanto o mundo capitalista é construído inteiramente na possibilidade e na virtualidade econômica e o cristão, igualmente, em um ser que não pertence nem ao presente nem à carne.


"Quem menos necessita do dia vindouro recebe-o com mais alegria." (fragmento 32 de Epicuro)

sexta-feira, janeiro 05, 2007

59 - ocê parada
eu não sei como
é que ocê
olha
para ocê

para olhar
ocê

para...

de olhar
para
ocê parar
de olhar

ocê

para
ser, você
para de olhar
ocê.

segunda-feira, janeiro 01, 2007

58
chega de imaginar imaginários
eu quero um pouco de realidade inventada


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heresia
na sua origem grega, haíresis siginifica a capacidade de escolher. para um estudante pode ser deleitante pensar nisso, pois talvez a heresia esteja muito próxima do seu universo.

a palavra ganha importância devido aos cânones católicos apostólicos romanos seguidos pelo imperador constantino após ser convertido, que pretenderam conservar intactos os mistérios da trindade e manter entre os fiéis o desconhecimento da natureza de cristo, à qual não se poderia questionar. poderia-se apenas crer nela, pois exprimi-la seria levar a diferenças interpretativas, a relativizações, o que abriria a possibilidade da escolha.

eis aí uma prática de sucesso improvável caso não haja opressão brutal à vida, mas que hoje é um dos combustíveis da nossa academia, muito embora esta seja herética ao perseguir o conhecimento da verdade e da ciência. entretanto, se mudarmos de perspectiva, se olharmos como as linhas de pesquisa tomam contorno e os grupos de pesquisadores segmentam-se e tornam-se até mesmo pessoalmente incompatíveis, notaremos que o destino da universidade inclui uma brutalidade sisuda.

lembramos que a guerra pelo privilégio de umas idéias também envolve a manutenção de campos de conhecimento herméticos que repelem qualquer ameaça e qualquer questionamento. Talvez, mais ainda, tal egoísmo estrutural relacione-se com a domesticação de um público que vai possibilitar uma durabilidade maior de todas as barreiras e limitações de cada um dos nichos sisudos da academia e a garantia de permanência desses no mercado. Essa última característica é quase sempre muito dissimulada - em um desses cursos universitários de artes, por exemplo, esse é um tabú dos maiores e, ao mesmo tempo, um obelisco adorado secretamente.

nesse ambiente, há um herege. claro que os professores e pesquisadores acabam sendo heréticos com relação a algumas verdades estabelecidas - na maioria das vezes essas são heresias mornas, sem paixão -, mas os verdadeiros hereges, os quais fundam seu percurso na capacidade de escolha e de questionamento, são os estudantes. nós, e aqueles que se nos assemelham, somos os responsáveis por todo o fervor existente na academia. nós, dotados de um tesão escroto, temos uma relação de gozo mais intenso com o conhecimento, nós viemos do futuro e tocamos o foda-se.

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