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allan de lana

sexta-feira, setembro 05, 2003

conto006
Eu via. Aquele ouvia. Catatônico. Eu via catatônico, mas figurado, aquele que ouvia, denotônico. A maior denotação da vida é não conotar nada.
Tinha um homem vestido de preto, imóvel. Ele olhava para a parede como se não a visse somente branca, nem somente plana. Ouvia de forma que parecia se concentrar, todo, inclusive o tato, naquele ruído: um som que eu não escutava.

Enquanto eu descrevia tal cena para mim mesmo e formava imagens mentais com as palavras, usando-o copiado e inacessível; para ele, nada de imagens, nada demonstrava. Um furo parecia amarrar o sentido pleno de sua mente revirada do avesso. Teve acesso, talvez, a si mesmo, sem precisar de espelho. Sem conotação nenhuma.

Impossível contar essa história. A história do furo mesmo, porque o acesso a si não compatibiliza com histórias. O acesso a si mesmo (o único acesso realmente possível) é a ausência, não com relação a uma casa ou a uma cidade: ausência e ponto. De maneira que, para quem lê, que o faz por meio de imagens e de conceitos em cascata, o que se pode dizer é: ausência tão pura que é ausência da própria... ausência (e palavra).

O acesso a si é tão íntimo que nem sequer toca na consciência, pois a consciência é imagem, idéia, construção. Nem em estado inconsciente se encontra, esse estado foi atravessado. O acesso de que falo parece um rombo em uma tela preta, pelo qual uma luz branca intensa penetra. Pareça, talvez, com a morte: ausência.

Inarrável, mas de repente ele foi puxado por uma palavra obscura, passando por sentidos, e jogado na minha frente vertido em duplo: para isso serviram-lhe os furos externos do corpo original. Desapareceu, transparecendo antes, como holograma some. Vindo-de-si, feito linguagem humana antropomórfica, levantou meio sujo. O chão estava sujo. Depois daquela experiência, parecia o humano (o “Outro”), novamente um duplo, inacessível, como eu. Semelhante, diferente, catatônico outra vez...

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