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Minha foto
allan de lana

quinta-feira, outubro 26, 2006

052
exquizencontros são
máquinas de poesia.

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051
concha
no mar é doce
docinho
sal

como eu faço
pra abrir
o oceano?

se abre pra mim
docinho
doce

uma linda foto
do mar se cabe

pra mim
me abre.


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053
cresci
fui trabalhar
parei de ir ao bar.

mas hoje,
agora,
vamos tomar
uma, só uma
cerveja?

eu sei,
você não vai sair de casa hoje,
mas nada custa implorar...


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054
você sabe
nesse doce dia:
lou reed está certo
eu errado.

um café esquentaria
um pouco de solidão
mas eu sei
estamos acordados

eu bem aqui
e lá está você
bem depois da chuva
nevando.

lou reed está certo,
mas berlin está bem longe.


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055
lembrei de perguntar: vc gosta de política?
depende
hehe


partidarismo
bom... há coisas que não gosto de discutir

ms vc gosta das coisas, apesar de não discuti-las?
uhum

então vc tem discussões interiores sobre elas?
obviamente

e vc sempre extrai algo de útil delas?
uhum!!!

e vc toma decisões a partir daí?

...

quero dizer: vc (sempre) toma decisões a partir das discussões interiores?
claro

e vc sempre obedece às decisões?
tenho bastante certeza quanto às minhas opiniões e decisões

e vc tem sempre domínio sobre elas?
como assim?

decide a partir da própria iniciativa.
exato.

sem abandonar a racionalidade extrema.
porquê as perguntas??
... claro que não


te provocar.
ms ainda tenho outra...

...

e depois?
o que?

depois que vc decide e põe em prática, vc decide outra vez sobre a decisão?

(pausa de 3 minutos)

(pausa de mais 1 minuto)

ta bom... eu consegui??


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056
- eu desisto!

- mas como? a gente não ia conversar?

- quando? a questão é que...

- amanhã depois da aula!

- é que eu sou uma pessoa meio ansiosa. quer ver? ... olha pras minhas unhas - todas roídas!

- aiii! calma...

segunda-feira, outubro 23, 2006

crec

ruth souza, 2002
ruth souza, 2002. fotografia.














"(...) de uma forma exemplar, a morte é o acontecimento de todos os acontecimentos, o sentido no estado puro: o seu lugar radica no emaranhado anônimo do discurso; ela é do que se fala, já sempre acontecida e indefinidamente futura, e sem dúvida acontece no ponto extremo da singularidade. o sentido-acontecimento é neutro como a morte" (michel foucault, teatrum filosoficum - nietzsche, freud e marx, p.54).


ruth conta que quando criança escrevia seu nome nas largas folhas da sua árvore de infância, que hoje permanece no quintal de seus pais em sua antiga residência. folhas secam e caem - que sentido nisso? (não responderemos).

repetir a ação - colher o próprio nome no corpo seco, despojado e... um cadáver crocante, como o esqueleto de um sacrificado. ruth conta uma anedota que aprendera com sua avó, em que o cadáver-raiz desprende-se como pássaro - seria esse o percurso ascendente das folhas com seu nome próprio?

para josé miguel wisnik (ao aludir, em 'o som e o sentido', à pesquisa de marius schneider), o ritual de sacrifício mostra as permissões e interdições de uma sociedade onde sofrer e purificar fazem parte de uma mesma e feliz celebração - o sacrificado transforma-se em instrumentos musicais de mediação divina (seu couro, seus ossos ...) e participa da energia cósmica universal.

o seu cadáver é sonoro, como as folhas na sua crocomecânica monocórdia - sua nota variante e inconclusa varia de timbre e intensidade, porém é sempre a mesma. esse cadáver no qual o símbolo não pode fixar-se e que, enfim, é antes um corpo em transe que de tempos em tempos retorna, como a ave enterrada por uma criança e transportada pela raiz da folha novamente até as nuvens e o Sol, o vento e a mesma terra.

há cerca de dois meses, ruth abriu um ambiente construído em três cômodos da casa localizada nos fundos do quintal de seus pais, no Park Way (brasília-df). todo o chão do ambiente foi coberto de folhas secas e, entre vários objetos que lembram pessoas queridas, remetia àquela memória do corpo um dia despojado mas, outra vez, vivente.

a ordem do que vimos foi construída com o zelo daquele que arruma o seu quarto e guarda muito bem as memórias de prazer, as quais podem tornar-se o objeto de uma vida muito íntima. para compreendermos sua natureza, diremos que ela está sempre muito próxima daquele trauma da vida ou da memória que furou todo bloqueio da racionalidade para irromper em nascimento incontido, e um nascimento incessantemente recorrido em lembranças - essas, fragmentárias e jamais conclusas.

dentro de um armário, no segundo cômodo do ambiente-instalação em que entramos, havia um álbum de fotos. Ana estava lá, pequena e querida. guardada e protegida na escuridão negra de um interior em que sua imagem é sempre infância, nunca é Ana.

por um lado, justo a alegria da concepção ou o feliz amor como lembrança corporal, isto é, concretização dos anseios de uma família. por outro, a profunda ausência que nos violenta, sempre reposta como imagem impossível - uma totalidade plana e opaca. o nascimento é um eco sem fim entre essas duas paixões. o prazer da vida aqui é mostrado, portanto, em uma relação ambivalente com a dor, figura de sublimação e de investimento energético simultâneos.

lembramos que nesse aspecto o som é fundamental. uma boneca gira e faz ressoar "yesterday" de uma caixinha de música. a barra do seu pequeno vestido azul, usado por Ana em suas fotos, repete, a cada volta, o contato seco com as folhas, nas quais arrasta-se numa idêntica e constante pulsação.

em dois ambientes encontramos camas. eles são bem distintos. porém, nos parece que as germinações de grãos de feijão na primeira cama e o ramster que deveria mover um aparelho foto-cinético de ruth, ao pé da segunda, instauram a tentativa de separação entre vida e morte.

seria necessário ligar esses cômodos como núcleos anamórficos ou instáveis para presenciarmos a figuração total do corpo-memória que intuímos. fazendo esse esforço de união é que podemos entrever um deslocamento simbólico entre objetos de desejo e a volubilidade do sentido familiar, sempre lembrança - afânise e presença.







allan de lana, copa


allan de lana, folhas
allan de lana, copa
allan de lana, copa e folhas de amendoeira. brasília - altura da 208 sul, próximo ao eixo monumental.

segunda-feira, outubro 16, 2006

mariposa, traças, formigas

terça-feira, outubro 10, 2006

companheirismo
ousei entitular isso que escrevo, porque faz parte de um exercício segundo alguém que não deixaria nada como um amontoado inominável. hannah arent. vou buscar essa companhia tão longe tendo tantas pessoas queridas, mas certamente elas não me punirão.

falo de alguém que está de corpo ausente. mas, se admito a perspectiva de transfiguração da ausência, com nietzsche - a vida como eterno retorno do mesmo - tal como rogério basali fez hoje no minicurso-seminário que proferiu na UnB, diria que arent está aqui: "eu sou todos os homens" (nietzche, em 'ecce homo').

desconcertante, percebo a dificuldade do substantivo em qualificar gêneros - "homens"? diria então, bem entendido: eu sou toda a memória ou toda a ampulheta em uma única "poeirinha da poeira" (idem, em 'a gaia ciência'). talvez a partir daqui fizéssemos a perfeita junção desses dois filósofos - um se recusa a guardar e transvalorar, o outro faz que a vida seja pensamento-vida como acúmulo interminável, com toda a carga de uma pesada questão... de um corpo que um dia se despoja como um dado que não percebemos, um corpo ao qual não resistimos (memória inconsciente). arent + nietzche = ação e memória.

arendt quer-nos mostrar o que é agir e fabricar o mundo. para ela, toda obra existe quando é fabricada (pela ação) e perdura enquanto bem ou coisa material - sua vida ultrapassa a do agente, a do autor, a do artesão. está fora de suas mentes e, poderíamos ousar dizer, o fato de a obra originar-se da razão demonstraria o exercício de liberdade que a aproximaria da política ou pelo menos de um espaço político.

da minha existência poeiril, olho para essa arendt da outra bandeija da nossa libra e imagino que hoje, nesse momento, ela seja a minha mais pesada questão. me força a querer estar "entre o passado e o futuro", mesmo sabendo que esse lugar é apenas uma invenção, assim como os outros. o que agrada nisto senão a companhia? pois não há ação nem liberdade de um só.

as atividades em homenagem ao centenário de arendt tiveram início hoje e vão até 14 de outubro, quando ela completaria 100 anos. a programação pode ser obtida em http://www.amormundi.org/.

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