...

Minha foto
allan de lana

segunda-feira, dezembro 20, 2004

Estética Heimlich Transcendental
Obs.: este texto faz referência a uma parte específica da exposição do grupo "Eu, Você, Nós, Eles", que está acontecendo na CAL (Casa da Cultura da América Latina), no Setor Comercial Sul. Ao mesmo tempo é um convite, pois a exposição vai até o fim de janeiro de 2005.

Kant pós-freudiano? Caro leitor, isso não é deriva, mas uma um surto espaço-temporal. Surto eu. Surtara você ao ver o garfo do Matias Monteiro ou então ao querer usar seus óculos? Se sim, concordará em que há neles um estranhamento que acena, que quase se ergue como ameaça a realizar-se, quase torna seus objetos animados e duplicados.

O ato de ver não só transforma o visto, mas deve proteger o olho. Por isso, a ilusão nunca se realiza: ela aponta faminta para todas as nossas azeitonas, mas não pode fisgá-las. O limite, que é o sentido comum, o ver e conformar-se, é o que Freud atribuiu ao heimlich, familiar. Naqueles objetos siameses do Matias encenam-se quase além desses limites: nascimento e heimlich.

hum) nascimento: dois corpos nascidos não podem fundir-se, nascer é consolidar-se como organismo vivo, unidade, por isso, como para a Nazareth Pacheco, nossos corpos são emborrachados, têm pele, proteção contra a morte.

dois) heimlich: Freud mostra como na história do uso da expressão "heimlich" essa começou a assumir outro sentido, oposto do familiar, o que viria a originar o unheimlich: esse, estranho, aparece como algo oculto no familiar, ameaça que deverá ser encoberta.

* * * * *

A intuição transcendental ocorre sem objeto, ela se realiza no tempo e no espaço, que restam se supomos não haver mediações dos cinco sentidos.

hum) o tempo segundo Kant: é uma intuição "a priori" que estabelece sucessões nas quais um mesmo objeto está presente em seus vários momentos, sem, no entanto, perder sua unidade.

dois) O espaço segundo Kant: é uma intuição "a priori" na qual existem vários objetos que jamais se sobrepõem e só podem existir uma única vez, separados por suas distâncias.

* * * * *

Assim, espaço e tempo são indivisíveis e, neles, as coisas são unidades (espaço) e estabelecem relações internas, tensões, se movem (tempo). É no espaço e no tempo que as formas podem ser percebidas e que as coisas unas se dão aos sentidos do sujeito cartesiano. Mas aquele que vê e sente o que Matias apresenta quase rompe os próprios órgãos dos sentidos. Ao mesmo tempo que vê configurar-se uma aberração, o nascer de um duplo real, também pressente (caso considere absurda a primeira visão) a fusão mortífera. Impossível fugir do unheimlich.

Em lugar de tempo e espaço cartesianos como "intuições 'a priori'", esses aparecem como recalques: sua unidade reconforta a consciência da vida e da potência (reforçada pela unidade do sujeito), mas é mera proteção imaginária. O espaço sem recalques se confunde com o tempo. A expressão "espaço de tempo" é um ato falho da cultura, que indica nessa dubiedade seus prazeres e horrores ocultos por força da linguagem. Prazeres, sim, porque o duplo evoca relações narcísicas do eu.

* * * * *

Se o objeto dos sentidos (seja um garfo, um óculos ou um tênis) se oferece à sensibilidade duplamente, de modo absurdo e abusivo, há uma solução para senti-lo e outra para rejeitá-lo:

hum) a solução para negá-lo é o abrigo da cultura, dizê-lo absurdo para não causar vexame;

dois) a solução para senti-lo é oculta: duplicar também os sentidos, dobrar a sensibilidade kantiana e admitir, assim, o romper dos prazeres e das mortes.

Se aceitamos, secretamente, a segunda solução, duplicamos também, secretamente, os órgãos dos sentidos. Somos Narcisos monstruosos, receptivos a tudo. Surtamos espaço-temporalmente, admitimos o espaço como tempo-espaço. Surge em nós o corpo verdadeiro, que é o corpo erótico, onde ocorrem "a priori" todas as possibilidades. Não é mais um corpo desejante: para ele existe a fruição e o prazer da morte (sem pesares).

Nenhum comentário:

Arquivo do blog