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allan de lana

sexta-feira, julho 22, 2005

Penso que a solidão resolveria boa parte da paranóia social que vivemos.

Certa vez fui andando sozinho do bar até em casa. Eram 2 da manhã e o caminho é tido como perigoso por muita gente. A rua é toda vazia nesse horário e as casas estão fechadas. Há muito medo dos criminosos, mas muitos poucos deles. Como resultado, a noite é desconhecida e o céu nunca tem muitas estrelas, pois elas e tudo o mais só existe para quem os percebe, não para essa classe média, que vive de temores. Fui chamado atenção por me sujeitar ao desconhecido.

Toda percepção do exterior, feita no caminhar, e toda solidão, têm sido substituídas pela segurança. A casa moderna é a simulação da ausência do morador, e é mais cerrada do que a caverna, com objetivo de que o sujeito esconda-se do perigo. Assim também o carro... Tudo sintoma de uma síndrome. A relação com o mundo nesse lugar é guiada pela insegurança e por isso promove-se o excesso de segurança e a tentativa de forjar a privacidade. Resultado: o Estado e a classe média gastam muito mais com segurança do que Deus e o Diabo gastam produzindo marginais perigosos. Mas seria mais econômico para o Estado subornar os criminosos - pagá-los bons salários para que vivessem bem, praticassem um esporte, assistissem filmes, aprendessem um instrumento musical, se iniciassem numa ciência etc. - do que aumentar a polícia e o poder executivo.

Ainda assim, será que a grande paranóia persistiria? Talvez não, se as pessoas redescobrissem a própria solidão. A solidão é um tema fundamental que precisa ser visto pelo povo do Plano Piloto. Ela deixa atuar a mímese, faz parte do distanciamento e da identificação. A saudade e o medo são de certo modo solitários, mas há o ser só de si mesmo. Uma rua molhada, enquanto pura representação pictórica só instaura inseguranças, pois resiste a traduções, mas, por isso, não se pode buscar nela equivalência ao mundo. A lembrança de um crime também é representação da memória, não é idêntica a nada, faz parte da mímese mnemônica e quem a tem só pode fazê-lo estando sozinho - não há imagem idêntica em outra memória.

Sujeitos representados na gravura de Goeldi caminham no sentido contrário ao espectador. Segui-los ou persegui-los, tentar fisgar sua solidão, é ficar só de si mesmo, abandonar-se e, desse modo, entrar no mundo (naquele mundo gravado, de imagem). Assim, podemos dizer que esse espectador é a possibilidade da percepção e da existência, ele anseia pelo fim de toda insegurança, enquanto aquele que se tranca suprime a relação e a vida. Assim, ao nos levar para a experiência com o outro e com o exterior desconhecido, a solidão deve ser, cada vez mais, a nossa casa.

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