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allan de lana

domingo, abril 05, 2009

hm, que dúvida acometeu há poucos dias os "diálogos" entre artistas e ministério da cultura! com as novidades propostas pela lei rouanet fica ainda mais evidente que o debate sobre arte e financiamento é indispensável. estamos assistindo e participando de um momento histórico daqueles em que as instituições tomam com mais determinação o seu poder de intervir politicamente na conceituação do que é arte. uma retomada e aprofundamento impressionante do vínculo arte-estado-capital-religião-academia, em que o Estado pede a legitimação da academia mas interfere diretamente nesse processo de validação, comandado por instituições e moralidade religiosas e pelo investimento privado, sempre sob o fundo do capital. o marketing interfere diretamente no conteúdo da arte "permitida", ele autoriza a exposição e faz esse circuito funcionar, enquanto o mercado ainda encontra (pois ainda precisa encontrar) valores de censura e possibilidade, identidades fixas - é necessário aderir a uma cultura do tudo ou nada. retornamos, em algum aspecto, a uma europa neo-clássica talvez muito pouco tropical, nada brasileira, e onde o rei não está nada despido, ele está, na verdade, trajado de grande investidor moralista. pessoalmente, com essa anotação rápida, acho que estamos falando de uma estrutura mercantilista velha que emerge agora à nossa consciência, é um momento de oportunidade, e passo a questionar com mais força se devemos continuar batalhando por uma arte plenamente autônoma e intocável, nos ideais modernistas, uma vez que o que a espera - tão infeliz e inocente -, no fundo, não é a intocabilidade, mas a tocaia como plena tocabilidade, um alçapão que sempre a conterá. pagaremos ou veremos patrocínios absurdos para ouvir, por exemplo, o entorno, o nada, o vazio, a imitação de John Cage pisando em uma banheira, com a diferença de que agora alguém sempre dirá: sou o culto gênio que sabe e pode fazer assim, que está autorizado a batucar em uma panela. a distânica entre arte e público é, em grande parte, solicitada pela mercantilização do nada, quando o nada deveria ser decretado não só um patrimônio imaterial da humanidade, como imediatamente lançado no domínio público e as escolas deveriam alertar para a capacidade tão não-democrática, tão não-autocrática, mas da coisa-pública, não-votável, incandidatável e inelegível que representa a possibilidade de olhar, ouvir, sentir, propor, inventar. o indeterminado pode ser a experiência de todos se a genialidade autoral e a idolatria não sustentarem as possibilidades de manter as roupas do rei intactas. precisamos atenuar o papel das instituições nesse processo, é necessário que o artista participe ativamente das condições sociais de emprego, que não se esquive do comum dos seres e trabalhe para criar fundos que auto-sustente as suas atividades de criação e reflexão. só isso irá acabar com a cisão entre arte e público, só isso também é capaz de não sufocar o que está por vir, de não repisar a contra-cultura transformada em artigo chique, popularesco, massificado e sem desmembramentos políticos mais graves.

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O começo (poema para ler três vezes ao ano e sentir como as camadas da pedra)

Os começos todos são
E só vêm da intenção.

Há graus em que estão
Eles em extensão –

Percorressem idéias,
Mas os fatos, não,

Nem os despertos dias –
Imagens sim, se lhes dão.

O real: ilusão intencional:
Saber os versos que sei
Pensando naqueles que são.

Assim, paisagem e mundo natural
Veram verdade vórtice, disso que direi:
A frase lida se diz da tua extrusão.

Vibe, vida e verdade sós, não tenho,
Senão a imagem que um humano cetro
De tempos velhos e pesado lenho

Colocou em frente aos cheiros e ciclos.
Pois se da noite lhe perfilava um metro
A imagem se aprontava em fogos ligeiros

E de ligeireza permanente até esta ordem:
Que os fogos de dentro parem e a névoa
Dos cumes sejam ser que nem tudo pode!

Desde então é que de névoa há jeito
E de cume, vibe, vida, vórtice e verdade:
Palavras desnaturadas do peito – objetos,

Do fogo ligeiro arrancadas,
Fez-se o começo,

Não só o do vórtice,
Antes fundado em giro,

Da vida que ao viver
girasse até o suspiro,

E por aí veio a ser
Não apenas o da história,
Mas também do adiante,

Até parecer que, talvez,
Tudo não mais levante,

Que isso tudo, uma vez
Fora do queimar ardente,

Não mais recomece
Apesar mesmo do começo.

Que o que se arrefece,
Sendo dado humano o de seu nexo,

Julgar-se mais certo sem errar e chamas.
E o conflito, daí, sem franco amplexo,

Cada ditador tendo a certeza do que é certo
Empunha o cetro, já multiplicado por tramas,
Impermanente, em mãos de poder, do incerto.

E na violência parva fica evidente
Não que os fogos são diferentes
Mas que a mão que do fogo arranca,

Para impor o seu começo, história e ideal
É mão-contingente.
Pensas aceitar dela, nem um real, tostão,

E o fel jogarias naquela amarga circunstância,
Com circunstante e preciso corte, mais pungente,
Ardendo em popas de exógenas significâncias,

Mesmo ao descaber-se a voz do transcendente avesso:
– "És pássaro rijo de vil começo, ou tens de!"
Sem ver as asas que cultivas, de ave sem endereço.

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