homenagem ao 2347º aniversário de Epicuro
nascido em Atenas, em janeiro de 341 a.C., epicuro foi para Samos ainda novo e lá conheceu o platonismo, diante do qual não pareceu entusiasmar-se. aos 14 conhece o pensamento de demócrito por Nausifano. efebo, volta a Atenas em 323 a.C. para tornar-se militar. a cidade havia sido derrotada pela Macedônia, sua família, que, ao que se apregoa, fora nobre, perdera então suas terras. Epicuro vai a Colofônio em busca do pai e ali aprofunda-se em uma literatura tradicional que nota não ter mais crédito espiritual entre os seus contemporâneos. Na introdução dos Pensamentos por Johannes Mewaldt (Editora Martin Claret, 2006), mostra-se uma gama de pensamentos astrológicos aos quais se atribui um pessimismo de época, vinculado, ao que nos parece, ao humanismo então predominante e à decadência que representou a derrota de Atenas e influiu na depressão daquele humanismo. porém, a vacina de Epicuro que, em nosso trocadilho, os cínicos (do grego kúón, kunós, cão, pelo latim cynìcus - Dicionário Houaiss) não tomaram - apesar de, segundo relatos, terem vivido com verdadeiro e impressionante desapego - foi o atomismo de Demócrito. a concepção de um universo além e maior que as paixões humanas fornece ao epicurismo uma chave da ataraxia, isto é, da vida feliz no conhecimento e no exercício da razão.
o atomismo de Demócrito (circa 460-370 a.C.) foi desenvolvido a partir dos ensinamentos de seu mestre Leucipo. nessa doutrina, nada nasce a partir do nada e os mundos são numericamente ilimitados, perecíveis e composíveis. o que forma primordial e naturalmente esses mundos são os átomos e o espaço vazio. segundo a doxografia, os átomos têm grandeza e forma. a essas duas características Epicuro acrescentou o peso, que faria os corpos moverem-se. os átomos não seriam divisíveis, porém os corpos que compõem, sim. para Demócrito a natureza dos átomos é estática, o o seu movimento resultaria do choque entre corpos e do impulso decorrente.
o universo de Epicuro é igualmente atômico e sua grandeza vai muito além da capacidade de apreensão do ser humano, que não experimenta seus extremos, e só poderia intuir, assim, a sua infinitude. mas seria um dever desse ser tão pequeno criar as condições de sua felicidade, o que faz do epicurismo um eudemonismo. ele opõe-se a Demócrito no ponto em que este considera que se estamos apartados da verdade, devido à diversidade dos átomos e imagens que só afluem-nos como percepção. Epicuro quer infalíveis os órgãos sensoriais. porém, nas duas concepções, o conhecimento que deve guiar a ordem do espírito está ligado às coisas por meio da sensibilidade. a sensibilidade fornece um tipo de dado empírico dos antigos. a partir do conhecimento dela a vida pode ser guiada pelo prazer, à felicidade (euthimia demócrita). a hedoné, ou prazer, pode ser interpretada como ausência de dor que proporciona o gozo pleno da existência. o epicureu, porém, é o oposto de um promíscuo, o que ele procede é a escolha dos prazeres que lhe são adequados, a partir do conhecimento da natureza em sua totalidade. esse conhecimento seria dado satisfatoriamente pela física atomista.
nessa doutrina, o movimento dos átomos lhes é constante e as qualidades desse movimento têm limite. mas a diversidade de formas atômicas é infinita e sua minúscula dimensão inapreensível. os átomos podem conectar-se e desvencilhar-se, quando são consoantes respectivamente à vida ou à morte.
quanto à vida, o ser humano tem a alma idêntica ao corpo e ao desfazer-se, termina qualquer possibilidade de perpetuação espiritual. o além é uma criação maluca, pois é inconcebível uma existência sem corpos.
a isso parece conectar-se André Comte-Sponville na sua noção de "alegre desespero". pois se a constatação da morte definitiva assustaria, dela Epicuro faz uma justificativa para uma felicidade, assim como a de Demócrito e Leucipo, calcada na tranqüilidade do espírito que nada deve a nenhum além. não há nada com que se exasperar, não haverá punição e os deuses não interferem na vida ou na morte humana, vivem "na sua", no que Epicuro chamou de entremundo.
essa doutrina parece ter chegado até nós graças ao poema latino De Rerum Natura, de Lucrécio, que influenciou sobretudo Virgílio e Horácio. a sua retomada deveu-se à biografia do filósofo publicada por Diógenes Laércio e à obra Epicurea, de Herman Usener.
há ainda outro modo pelo qual Epicuro nos chega, pois milhares dos seus átomos dissipados ou outros semelhantes aos seus, constitu-nos e temos com ele uma ligação cósmica, assim como todos os pensadores da felicidade ou do rancor que o sucederam. isso é uma felicidade e estamos de parabéns por mais esse aniversário de Epicuro! Em breve, registraremos aqui uma hipótese de sua festa no Grande Jardim filosófico do Planalto Central da Atenas brasiliense, rodeado de amigos. a festa será aqui, neste mesmo post do dia sete de janeiro (que não é o dia exato do aniversário).
Bibliografia básica:
EPICURO. Pensamentos. São Paulo: Martin Claret, 2006. (Coleção Obra Prima de Cada Autor).
BORNHEIM, Gerd A. (Org.). Os filósofos Pré-Socráticos. 12ª ed. São Paulo: Cultrix, 2003.
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jardim epicureu
é difícil conservar a idéia do jardim de Epicuro nas mentalidades de hoje em dia. um dos motivos principais - além da distância cultural entre nós e ele e das conseqüências da globalização que põem em cheque as fronteiras do público e do privado, da amizade e do desconhecimento - é o excesso afirmativo da doutrina cristã que impregna o pensamento ocidental. é preciso abdicar da idéia de um Deus criador se quisermos pensar em um jardim epicureu, em que os prazeres não podem ser isolados nem em um órgão, nem muito menos nas mãos de um deus.
à diferença de um jardim da idade média, no qual encontra-se a idéia de paraíso (palavra persa que, segundo Kenneth Clark, significa espaço cercado por muros) em que Deus pode ser visto nas pequenas coisas, nos seres menores, o jardim de Epicuro evoca a sabedoria do corpo e do espírito. Clark fala dos jardins de Siena pintados no séc. XII que neles os sujeitos colocava-se entre uma jornada dentro da natureza e uma contenção diante dos perigos de corrupção da Ordem de Deus. daí serem os jardins delimitados, cercados, livrados da peste negra que assolava os miseráveis além dos muros e das tentações de uma natureza obscura. Epicuro, entretanto, um grego que fundou seu jardim filosófico em Atenas, não teve de temer nem a peste negra nem os prazeres. no séc. IV a.C. grego a guerra era mais temível do que a doença. além disso, para o atomista em seu jardim os prazeres não poderiam corromper, como uma natureza cujo âmago reservasse tragédia e perdição aos sentidos.
dentre os 40 aforismos de Diógenes Laércio sobre Epicuro temos alguns a respeito do conhecimento da natureza (os de número 10, 11, 12, 25, 29, 30 e 31 fazem-lhe referência direta) que demonstram um entusiasmo impensável para um cristão preocupado com a gênese. o atomista ocupa seu pensamento e vida investigando o modo como o cosmos e o eu vêm a ser, ignorando a sua origem e libertando-se da angústia perante a morte - ele não deve penitência nem graças aos deuses. o medo da morte é um bloqueio para o prazer da vida no jardim de Epicuro. no fragmento 12, Laércio diz: "É impossível perdermos o medo que temos de nós quando indagamos sobre aquilo que acontecerá no fim da nossa vida, se não estivermos instruídos a respeito da constituição do universo (...). Sem o conhecimento da natureza, não gozaremos, pois, inteiramente, prazer nenhum." assim, se construímos "nossa segurança perante os homens" sem que "os acontecimentos no céu e na terra, isto é, no universo infinito, possam causar-nos algum receio" (D. Laércio, aforismo 13), estaremos abertos ao prazer. a felicidade aqui está baseada em uma vida tranqüila e segura, que nenhum deus, nenhum além, nenhuma morte ou mundo outro poderiam proporcionar, pois pertence ao mundo das coisas limitadas, terrenas, vivas e presentes.
a percepção dos corpos, em Epicuro, deve ser colocada entre os fundamentos de uma fenomenologia que retoma elementos de um pensamento pré-moderno. o jardim, aqui, é mais semelhante a uma vontade de conhecer e estar próximo do que de isolar-se do mundo em crise e estar distante do mal natural oculto. a carne biológica, física, proporciona prazeres fugazes de um desejo infinito, dependente inteiramente de um tempo ilimitado e angustiante, que se repetirá incansavelmente. já o saber, está ligado à sensibilidade da carne, logo à finitude ou a uma delimitação racional do mundo para que este ganhe sentido. o pensamente epicureu não se direciona à sensibilidade pura, mas ao espírito, em sua capacidade de apreender, avaliar, limitar, acabar com toda ilusão de eternidade e com a angústia do desejo insaciável. eis, então, um jardim que nos convida a deleitar e pensar os fenômenos com um grande senso de presença e realidade.
o jardim de Epicuro é do prazer presente. além disso, nada faz sentido, nada enaltece, nada é justo, nem nobre, nem venturoso a priori. toda a justeza humana, que muitas vezes é atribuída a determinações divinas, é fruto de convenções acerca do lugar presente e da necessidade de uma convivência harmônica que deixaria que a felicidade e o prazer fossem preservados. parte do aforismo 20 de Laércio demonstra que há prazer somente enquanto há carne e sentido. "... Verdade é que o homem sensato não evita o prazer, e quando finalmente as circunstâncias o obrigam a deixar a vida, ele não se comporta como se esta ainda lhe devesse algo para a suprema existência." uma tal vida, feliz e plena, só é possível se vivida com paz na alma, característica que Epicuro, no seu fragmento 31, diz ser o mais belo fruto da justiça. assim, o sábio é aquele que cultiva leis para preserva-se das injustiças que ameaçariam a paz de sua alma e dissipariam os seus prazeres.
Por fim, além de brindarmos a segurança do jardim de epicuro - que é dada tanto por uma saída da massa dos homens que têm uma concepção comum de que os deuses proporcionar-lhe-ão felicidade quanto pela existência da amizade - dizemos que lá é um lugar de vida ativa. pois "é sem valor pedir aos deuses aquilo que nós mesmos podemos realizar" (aforismo 19 de Epicuro). o presente e a vida simples são muitas vezes renegados erroneamente como lugares de utopia por uma sociedade que crê no real como uma vasta torre econômica lavrada por um Deus antropomofizado que, por ser justo, determinaria toda injustiça e desigualdade sociais, julgaria os bons como ricos. mas a sociedade assim formada é ilusória, pois o presente é lugar único da satisfação e da saciedade e no qual podemo-nos realizar, enquanto o mundo capitalista é construído inteiramente na possibilidade e na virtualidade econômica e o cristão, igualmente, em um ser que não pertence nem ao presente nem à carne.
domingo, janeiro 07, 2007
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sexta-feira, janeiro 05, 2007
59 - ocê parada
eu não sei como
é que ocê
olha
para ocê
para olhar
ocê
para...
de olhar
para
ocê parar
de olhar
ocê
para
ser, você
para de olhar
ocê.
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segunda-feira, janeiro 01, 2007
58
chega de imaginar imaginários
eu quero um pouco de realidade inventada
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heresia
na sua origem grega, haíresis siginifica a capacidade de escolher. para um estudante pode ser deleitante pensar nisso, pois talvez a heresia esteja muito próxima do seu universo.
a palavra ganha importância devido aos cânones católicos apostólicos romanos seguidos pelo imperador constantino após ser convertido, que pretenderam conservar intactos os mistérios da trindade e manter entre os fiéis o desconhecimento da natureza de cristo, à qual não se poderia questionar. poderia-se apenas crer nela, pois exprimi-la seria levar a diferenças interpretativas, a relativizações, o que abriria a possibilidade da escolha.
eis aí uma prática de sucesso improvável caso não haja opressão brutal à vida, mas que hoje é um dos combustíveis da nossa academia, muito embora esta seja herética ao perseguir o conhecimento da verdade e da ciência. entretanto, se mudarmos de perspectiva, se olharmos como as linhas de pesquisa tomam contorno e os grupos de pesquisadores segmentam-se e tornam-se até mesmo pessoalmente incompatíveis, notaremos que o destino da universidade inclui uma brutalidade sisuda.
lembramos que a guerra pelo privilégio de umas idéias também envolve a manutenção de campos de conhecimento herméticos que repelem qualquer ameaça e qualquer questionamento. Talvez, mais ainda, tal egoísmo estrutural relacione-se com a domesticação de um público que vai possibilitar uma durabilidade maior de todas as barreiras e limitações de cada um dos nichos sisudos da academia e a garantia de permanência desses no mercado. Essa última característica é quase sempre muito dissimulada - em um desses cursos universitários de artes, por exemplo, esse é um tabú dos maiores e, ao mesmo tempo, um obelisco adorado secretamente.
nesse ambiente, há um herege. claro que os professores e pesquisadores acabam sendo heréticos com relação a algumas verdades estabelecidas - na maioria das vezes essas são heresias mornas, sem paixão -, mas os verdadeiros hereges, os quais fundam seu percurso na capacidade de escolha e de questionamento, são os estudantes. nós, e aqueles que se nos assemelham, somos os responsáveis por todo o fervor existente na academia. nós, dotados de um tesão escroto, temos uma relação de gozo mais intenso com o conhecimento, nós viemos do futuro e tocamos o foda-se.
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quinta-feira, dezembro 21, 2006
57 - supernova
sou uma letra
passada por
letra passada.
curvatura do alfabeto
de alfabetos.
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sábado, novembro 11, 2006
aura, explica Walter Benjamin, é uma experiência do eterno sentida no momento transitório e único.
a fotografia tornou reprodutível o que antes era único. acabou com a aura. tirou-a do domínio exclusivo da aristocracia. a fotografia é uma burguesinha.
mas uma foto recupera sua aura, ela pode ter (e tinha) rastros da ação do aparelho (abrir-fechar), possui vida no tempo e se torna acúmulo de vestígios, um objeto com aura.
o contemplador, aquele que a restitui na versão atualizada e imaginária, faz que a imagem exista no momento único e transubjetivada. não adianta não querer, a aura vive!!!
além do discurso da originalidade e da unicidade, passamos à re-velação no instante. para isso, podemos utilizar a experiência do êxtase provocado por adrenalina e força.
não me apego à não-expansão-reposição das idéias de Walter Benjamin e, assim, afirmo que essa é uma estratégia da aura, não uma coisa do sujeito que prova dela.
a experiência do êxtase. o sujeito equivale-se à eternidade do transitório ao fazê-la e ganha a dimensão do cosmos por um pulso - ele é pura faísca presente.
um corpo cruza a linha de chegada e tomba: o chão é leito onde se dissipa o gozo, no momento em que a consciência reencaixa-se, em que a alma se torna novamente uma singular e minha puerilidade torna-se camada fina por chegar novamente no seu auge de energia.
em cada corrida me torno um sopro e, após ela, eu sou mais um.
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quinta-feira, outubro 26, 2006
052
exquizencontros são
máquinas de poesia.
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051
concha
no mar é doce
docinho
sal
como eu faço
pra abrir
o oceano?
se abre pra mim
docinho
doce
uma linda foto
do mar se cabe
pra mim
me abre.
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053
cresci
fui trabalhar
parei de ir ao bar.
mas hoje,
agora,
vamos tomar
uma, só uma
cerveja?
eu sei,
você não vai sair de casa hoje,
mas nada custa implorar...
____________________
054
você sabe
nesse doce dia:
lou reed está certo
eu errado.
um café esquentaria
um pouco de solidão
mas eu sei
estamos acordados
eu bem aqui
e lá está você
bem depois da chuva
nevando.
lou reed está certo,
mas berlin está bem longe.
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055
lembrei de perguntar: vc gosta de política?
depende
hehe
partidarismo
bom... há coisas que não gosto de discutir
ms vc gosta das coisas, apesar de não discuti-las?
uhum
então vc tem discussões interiores sobre elas?
obviamente
e vc sempre extrai algo de útil delas?
uhum!!!
e vc toma decisões a partir daí?
...
quero dizer: vc (sempre) toma decisões a partir das discussões interiores?
claro
e vc sempre obedece às decisões?
tenho bastante certeza quanto às minhas opiniões e decisões
e vc tem sempre domínio sobre elas?
como assim?
decide a partir da própria iniciativa.
exato.
sem abandonar a racionalidade extrema.
porquê as perguntas??
... claro que não
te provocar.
ms ainda tenho outra...
...
e depois?
o que?
depois que vc decide e põe em prática, vc decide outra vez sobre a decisão?
(pausa de 3 minutos)
(pausa de mais 1 minuto)
ta bom... eu consegui??
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056
- eu desisto!
- mas como? a gente não ia conversar?
- quando? a questão é que...
- amanhã depois da aula!
- é que eu sou uma pessoa meio ansiosa. quer ver? ... olha pras minhas unhas - todas roídas!
- aiii! calma...
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segunda-feira, outubro 23, 2006
crec
ruth souza, 2002. fotografia.
ruth conta que quando criança escrevia seu nome nas largas folhas da sua árvore de infância, que hoje permanece no quintal de seus pais em sua antiga residência. folhas secam e caem - que sentido nisso? (não responderemos).
repetir a ação - colher o próprio nome no corpo seco, despojado e... um cadáver crocante, como o esqueleto de um sacrificado. ruth conta uma anedota que aprendera com sua avó, em que o cadáver-raiz desprende-se como pássaro - seria esse o percurso ascendente das folhas com seu nome próprio?
para josé miguel wisnik (ao aludir, em 'o som e o sentido', à pesquisa de marius schneider), o ritual de sacrifício mostra as permissões e interdições de uma sociedade onde sofrer e purificar fazem parte de uma mesma e feliz celebração - o sacrificado transforma-se em instrumentos musicais de mediação divina (seu couro, seus ossos ...) e participa da energia cósmica universal.
o seu cadáver é sonoro, como as folhas na sua crocomecânica monocórdia - sua nota variante e inconclusa varia de timbre e intensidade, porém é sempre a mesma. esse cadáver no qual o símbolo não pode fixar-se e que, enfim, é antes um corpo em transe que de tempos em tempos retorna, como a ave enterrada por uma criança e transportada pela raiz da folha novamente até as nuvens e o Sol, o vento e a mesma terra.
há cerca de dois meses, ruth abriu um ambiente construído em três cômodos da casa localizada nos fundos do quintal de seus pais, no Park Way (brasília-df). todo o chão do ambiente foi coberto de folhas secas e, entre vários objetos que lembram pessoas queridas, remetia àquela memória do corpo um dia despojado mas, outra vez, vivente.
a ordem do que vimos foi construída com o zelo daquele que arruma o seu quarto e guarda muito bem as memórias de prazer, as quais podem tornar-se o objeto de uma vida muito íntima. para compreendermos sua natureza, diremos que ela está sempre muito próxima daquele trauma da vida ou da memória que furou todo bloqueio da racionalidade para irromper em nascimento incontido, e um nascimento incessantemente recorrido em lembranças - essas, fragmentárias e jamais conclusas.
dentro de um armário, no segundo cômodo do ambiente-instalação em que entramos, havia um álbum de fotos. Ana estava lá, pequena e querida. guardada e protegida na escuridão negra de um interior em que sua imagem é sempre infância, nunca é Ana.
por um lado, justo a alegria da concepção ou o feliz amor como lembrança corporal, isto é, concretização dos anseios de uma família. por outro, a profunda ausência que nos violenta, sempre reposta como imagem impossível - uma totalidade plana e opaca. o nascimento é um eco sem fim entre essas duas paixões. o prazer da vida aqui é mostrado, portanto, em uma relação ambivalente com a dor, figura de sublimação e de investimento energético simultâneos.
lembramos que nesse aspecto o som é fundamental. uma boneca gira e faz ressoar "yesterday" de uma caixinha de música. a barra do seu pequeno vestido azul, usado por Ana em suas fotos, repete, a cada volta, o contato seco com as folhas, nas quais arrasta-se numa idêntica e constante pulsação.
em dois ambientes encontramos camas. eles são bem distintos. porém, nos parece que as germinações de grãos de feijão na primeira cama e o ramster que deveria mover um aparelho foto-cinético de ruth, ao pé da segunda, instauram a tentativa de separação entre vida e morte.
seria necessário ligar esses cômodos como núcleos anamórficos ou instáveis para presenciarmos a figuração total do corpo-memória que intuímos. fazendo esse esforço de união é que podemos entrever um deslocamento simbólico entre objetos de desejo e a volubilidade do sentido familiar, sempre lembrança - afânise e presença.
allan de lana, copa e folhas de amendoeira. brasília - altura da 208 sul, próximo ao eixo monumental.
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segunda-feira, outubro 16, 2006
terça-feira, outubro 10, 2006
companheirismo
ousei entitular isso que escrevo, porque faz parte de um exercício segundo alguém que não deixaria nada como um amontoado inominável. hannah arent. vou buscar essa companhia tão longe tendo tantas pessoas queridas, mas certamente elas não me punirão.
falo de alguém que está de corpo ausente. mas, se admito a perspectiva de transfiguração da ausência, com nietzsche - a vida como eterno retorno do mesmo - tal como rogério basali fez hoje no minicurso-seminário que proferiu na UnB, diria que arent está aqui: "eu sou todos os homens" (nietzche, em 'ecce homo').
desconcertante, percebo a dificuldade do substantivo em qualificar gêneros - "homens"? diria então, bem entendido: eu sou toda a memória ou toda a ampulheta em uma única "poeirinha da poeira" (idem, em 'a gaia ciência'). talvez a partir daqui fizéssemos a perfeita junção desses dois filósofos - um se recusa a guardar e transvalorar, o outro faz que a vida seja pensamento-vida como acúmulo interminável, com toda a carga de uma pesada questão... de um corpo que um dia se despoja como um dado que não percebemos, um corpo ao qual não resistimos (memória inconsciente). arent + nietzche = ação e memória.
arendt quer-nos mostrar o que é agir e fabricar o mundo. para ela, toda obra existe quando é fabricada (pela ação) e perdura enquanto bem ou coisa material - sua vida ultrapassa a do agente, a do autor, a do artesão. está fora de suas mentes e, poderíamos ousar dizer, o fato de a obra originar-se da razão demonstraria o exercício de liberdade que a aproximaria da política ou pelo menos de um espaço político.
da minha existência poeiril, olho para essa arendt da outra bandeija da nossa libra e imagino que hoje, nesse momento, ela seja a minha mais pesada questão. me força a querer estar "entre o passado e o futuro", mesmo sabendo que esse lugar é apenas uma invenção, assim como os outros. o que agrada nisto senão a companhia? pois não há ação nem liberdade de um só.
as atividades em homenagem ao centenário de arendt tiveram início hoje e vão até 14 de outubro, quando ela completaria 100 anos. a programação pode ser obtida em http://www.amormundi.org/.
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domingo, setembro 17, 2006
domingo, setembro 03, 2006
050
eu sou uma variação do modelo, não um ser evoluído.
somente uma nota, absoluta e localizada.
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sábado, julho 29, 2006
domingo, junho 25, 2006
desço a barra de rolagem e vejo uma fotografia de um quadro, que não mostra dele senão um mínimo detalhe de aproximadamente 6 x 8 cm. Aquela visão é possível apenas ao mirante do Jacroá. Contemplando a altura das montanhas escorregamos até os vales onde há lagoas - são umas doze ao todo, das quais na imagem que temos aparecem três, encobertas pela neblina da distância, bem a uns 20 Km dali. O acesso é por Marliéria, cidade cuja história nos conta ter sido fundada em 1865, por Guido Marlière, um grande visionário francês. Guido teria subido ao pico de uma montanha pouco íngrime à cavalo. Imagino que sua mãe o acompanhava a partir de um porta-retratos de ouro em forma de pêndulo, guardado no bolso, às vezes confundido com o relógio prateado do desbravador! No cimo, então, esse homem crédulo e benfeitor inflou o diafrágma e arrepiou os supercílios erguendo uma espada que cintilou raios emocionados por todo o seu peito. Naquela tarde porém nublava. Sua vontade maior era insuflar em tudo o Deus, num único ato de heroísmo que reluzisse até os píncaros das mais remotas cabanas, na alma de todos os banhistas das doze e das outras tantas lagoas de água quente. Quem sabe chegaria seu clamor até o organismo das piranhas que também nadavam em nosso detalhe de pintura!!! Desse espírito imbuído, liberou com verves aquele espanto acumulado em suas botas enquanto contemplava os vales se tornarem vales na medida em que galopava para arribar tantas montanhas, que por sua vez iam virando matas. Foi assim que, arrepiado e sem muito fôlego, pensou e sentiu emoção no corpo, enquanto gritava para um mundo inteiro de carrapatos e cobras que o cercava: "Je croix!!!". Um século se passou e algum administrador benevolente homenageou a cidade dando o nome de seu fundador a toda a região alcançada pelo grito, que teve, sem dúvida, uma ressonância débil, fatigada. Depois, um prefeito aproveitou a sabedoria popular para nomear uma área de um monte, muito bem localizada para visagens panorâmicas, de "Pico do Jacroá" - uma transcrição refinada, do berro de Guido, para o bom e velho português mineiro.
À caminho do Pico, uma exuberante vegetação pode ser contemplada sob a frescura de nichos e corredores à sombra, entre paredes levemente desbarrancadas de uma montanha e árvores com diferentes espaçamentos e alturas. O único inconveniente é que, enquanto caminhamos 5 Km de subida, acabamos por suar e reter toda uma camada da estrada de terra em nossa pele a cada vez que um automóvel guiado sem a devida cortesia e educação passa veloz. Mas nada fustiga a alegria de ver espíritos solitários aproximarem-se lentamente, como se geradas do barro e, riscando o espaço, remodelando-o com um simples movimento de caminhada, levarem a emanações de magnetismo. Os corpos, quando se aproximam assim com esse flúido cósmico, realmente vibram e remodelam a posição de suas partículas. Toda sensibilidade renova-se e curva-se, tomando a forma de uma saudação receptiva e curiosa. Toda a natureza, porém, tonifica esse mundo. Nunca me esquecerei daqueles senhores da volúpia e da leveza no caminhar, revestidos por um aveludamento verde-vessie com luz refletida em azul turquesa surgido de um suculento rio ou de uma lagoa cheia de piranhas, que agora creio ser a verdadeira mistura de cores da Vitória de Samotrácia, uma vez que elucidam o mesmo espírito dos ventos. Exitaria em chamá-los de marimbondos, uma vez que isso poderia instigar certos preconceitos. Comportavam-se dóceis e cônscios dos limites territoriais de sua doçura, além de parecerem ter um aguçada visão, o que não existe na maioria dos marimbondos.
Naquela manhã em que eu ia, solitariamente, pisando a terra para regressar do Jacroá às casas de minhas tias em Marliéria, fruí da presença de tais seres com a confiança que se tem em guardiões de algo a intuir-se como a queda de uma pétala a partir das nuvens. Intuição apenas, cujo ímpeto à captura nos envenenaria, trazendo o deleite entorpecente da morte e alucinações idílicas - essa paz que salivamos ao contemplar um ser cujo caminhar é quase um pouso e que assim também se ergue leve no ar enquanto anda com as patas. Sua mecânica é limitada por um cânone estético: nenhum movimento brusco com as asas, para mostrá-las plenamente. Veladuras de vessie trespassadas por nervos em três níveis básicos de espessura, o grosso, o fino e o finíssimo, para os quais avançam e obscurecem, desde suas proximidades, tons de azul da prússia. Arremate alaranjado sobre rugas de um extremo que já quase não se liga ao corpo, doando-se aos humores do vento, como uns rendados tecidos por uma criança de quem a agulha exita e escorrega. Por fim, o movimento galante, cuja cadência às vezes se altera, mas se mantém nos limites do apreensível, de modo que um desenhista animador muito aprenderia observando-lhe por horas. Para mostrar toda exuberância, o movimento não é suficiente para altos vôos, assim os guardiões levitam como espíritos, mantendo suas patas distantes da base o suficiente para que também caminhem, contanto que as asas estejam prestes a transportar suas almas por destinos virtuosos. Às vezes eu me convencia de que toda aquela natureza e o caminho que a cortava eram suspensos pela imponência desses habitantes, além de seguros por suas patas e conduzidos no alto por suas asas!!!
Alguns cruzavam em minha frente, tranqüilos, mas fluíam em sentido contrário quando eu me aproximava.
hoje é segunda-feira. Se bem que já se foram as 24 horas - é terça, mas vivo ainda o meu astral de hoje, para o qual ainda é uma segunda-feira.
... ou talvez eu me engane: nada melhor do que uma terça para pensar nos prazeres e lamúrias ao longe, como se já nos tivessem pertencido um dia, num sábado, talvez. Domingo...
é certo, porém, que esse conflito não mudará a verdade sobre o dia de hoje. Ele não existe e não me convencerá, nem sequer um perspicaz, da existência dos dias! Assim também são os diários: podemos acumular impressões como se todas elas ocorressem no domingo. Riscamos as seqüências de um a trinta e um, a trinta, a vinte e oito ou nove ao longo das páginas, usando borracha e "liquid-paper", destituímos-nas das orelhas da agenda em todo um mês e mais trezentos dias - são o mesmo e único domingo.
a vida sem os dias é como um alongamento ao acordar de manhã sob uma ducha quente. Sentimos que nossos poros refazem-se levemente, como se abrissem apenas para inflarem-se da disposição de que a luz os mantenham aquecidos e em expansão. É quando dilatamos o nosso espírito de modo a resultar em leves assanhamentos capilares e libidinosos - epifania tântrica.

ora, mas comecei a declarar-me um nostálgico, quando lembrei de caluniar os dias... Mas para mim não há nostalgia sem pensar no que nos tornamos. Porém, a minha não tem nada que reivindique o passado, esse tempo que construo como sinônimo do último domingo, quando tive um dos clímax de uma crise sentimental que se vem arrastando, não por ter-me apaixonado, mas por ter saído dos esquadros bem traçados de um Cronos robótico.
pena que, diante de tantos devaneios meus, chegou a hora de um descanso, motivo pelo qual não irei explorar o assunto principal que propus no início. Objeta-me: "sair assim de sopetão deixará espaços para inúmeras indagações e até conclusões!" e "concluir é um dever moral!". Treplico: quando o sono ataca bem determinadamente, a vaidade e a moral são desligados de modo tão perfeito que sonhamos, com a liberdade dos ventos.
o que relato em 5 minutos, que é o tempo desse número teatral - um monólogo? Não sei porque, sempre me sinto pendurado por uma linha finíssima que liga uma gaveta de rasgados a um destino em breu. Um fio do qual sinto, pendurado pela haste craniana perfurada de fora a fora, os seus extremos perdidos, sem avistá-los: sei por onde vêm e vão, sinto a sua tônica toda vez que uma paixão me interroga. E uma vez ela mesma me fitava com uma chave-de-fenda enquanto eu acordava num lugar estranho, então pensei nas nossas posses: há algo que possui mutuamente aqueles que se apaixonam e que pode ser levado às últimas conseqüências, pois o amor é um exagero. E se ela me parafusasse na parede? Era de fato o que premeditava e o desfecho que teria nossa história se eu estivesse talvez um pouco mais sujeito e desprotegido. Parafusar-me-ia e apontaria ao próximo a dormir em seu leito: "olha, um quadro sentimental e trágico, cujos efeitos de luz e espaço foram baseados em sonho". Quem discordaria dessa forma de amar? Afirmo que é legítima e verdadeira, por mais que se enrosque em parafusos e, talvez, possamos dizer, seja a forma autoritária de corresponder à seguinte espécie de abertura de espírito, que é a minha: "amo a quem me fizer de luva". Por esse caminho, seria autoritário transformar o outro em uma pele legítima arrancada de um urso ou em um quadro sinistro, pois ao escolher tal caminho pela razão e pela comodidade, deve-se perguntar: "quantos lados tem uma luva e quantas mãos ela simula?".
os 5 minutos se transformaram em 15... Ah, são tantos rasgados!
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segunda-feira, maio 01, 2006
terça-feira, março 21, 2006
048
e agora, essa gordura de presunto em minhas mãos
uma bomba armada em minha mala
aquele morto subindo a escada rolante
?
049
te amo com as ogivas de minhalma
tenho cautela ao beijar teus seios
sofremos mal de pátria...
e que ninguém nos descubra!
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quinta-feira, março 02, 2006
me pergunto:
a leitura em voz baixa é mesmo uma modalidade de leitura?
e ainda:
em voz baixa ou em silêncio?
quem é o interlocutor do meu silenciar?
quem assiste essa minha atividade ou essa minha objetividade, que é insondável, para com as palavras?
____________________
47
quanto mais eu leio, mais percebo não estar vivo.
quanto menos eu leio.
____________________
ponderações
... mas é preciso silenciar às vezes, desde que isso não implique em uma crise de auto-afirmação, numa negação depreciativa do ouvido.
... dizer, afirmar, perspectivar e provocar é precioso - mas perder os ouvidos na própria língua é uma bobagem.
... o george bú é um falastrão - veja a merda...
... severinos e mendoncinhas silenciaram às vezes como sintoma de uma patologia moral (isso indica que eles negaram o ouvido - sentiram a marginalidade de um órgão fundamental)...
... a leitura se dá em silêncio, a vidência no escuro...
o toque - na distância do desejo...
... o amor é uma relação de conhecimento...
... andam procurando escorpiões debaixo dos lençóis - os que querem achá-los com a própria língua perderam não só a cabeça, mas o seu cérebro diluiu-se, depois decantou-se (e agora deve estar boiando) no verbo-de-molas...
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quarta-feira, março 01, 2006
a capacidade de conhecer sem ouvir é o teletransporte, fruto de uma das maiores revoluções que a sociedade cristã idiota já presenciou - a loucura.
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domingo, fevereiro 12, 2006
a poética da fêmea parece uma expropriação de aristóteles - ela é uma potência imanente na atualidade em movimento, mas um movimento que não apenas se vê, além disso, suas qualidades também se ligam à impressão.
dinamofêmea
trata-se de uma obra sonora, mas não é um produto cultural cuja linguagem é a música (pois faz parte de intertextos diversos), embora seja harmônica e melódica. letra composta por deslocamentos de dois "lances" aleatórios de texto pertencentes a duas obras filosóficas.
personagens:
pseudo-édipo
esfinge
zaratustra
pseudo-édipo: tu sabes, zaratustra, mas não dizes.
zaratustra: sei, não nego.
esfinge: alethéia, ousia, arké, energeia.
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segunda-feira, janeiro 16, 2006
uma lesma carnívora habita o mastro maior do mundo.
______________________
minha recente atividade
elaborar matérias interceptoras de diferentes freqüências e aparências de vazio, para entrever a fêmea. nela me lanço como gestação desse espaço de vibrações, de armadilhas, e instauro o ritual pré-imagem do meu próprio sujeito.
após racionalizar em parte essas tentativas, denomino-las de miméticas. Mas estou certo, agora, de que elas não consumarão nenhum objeto mimetikos definido, pois esse objeto depende de uma ordem exterior e de credibilidade (e toda crença é fugaz, salvo ameaças fascistas ou cristãs, que forçam, sem escrúpulos, não abandoná-las). daí a natureza necessariamente como produção.
a produtividade humana é maquínica porquanto o Ser ou a veracidade só podem ser a própria transformação (ou movimento) e, desse modo, são verdadeiros, como o amor em noel rosa - para que exista precisa instaurar um campo simbólico da verdade. isso ocorre com a mentira, um artifício catártico de reconciliação.
pode-se aproximar a mímese a um campo ou dimensão das certezas, no qual a fêmea é uma força geradora refratada enquanto pressentimento da imagem.
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terça-feira, dezembro 27, 2005
045
Uai!
Depois do quarenta e três
Não é o quarenta e quatro?
______________________
044
Ufa! Se você não avisasse
aqui teria um poema-vácuo.
_____________________
045
ALERTA:
Bug do milênio!!!
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quinta-feira, dezembro 22, 2005
042
sou exatamente
quem pareço
Ser.
____________________
043
...
- igualzinho ao pai!!!
(que fofo.)
___________________
uma cabeça (em instância) still de Tobby Damit, dirigido por F. Fellini (fotografia, se não me engano, é de Jean Renoir).
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domingo, dezembro 18, 2005
voltamos de cabeça baixa, olhando evasivamente para os lados. Mas os nossos órgãos todos pendiam para um único ponto, tensionados por um mesmo elástico. Quem olharia primeiro, para ser tragicamente arremessado e recolher-se na visagem daquele medo? Quer dizer, em linguagem simples: estivemos longe um do outro, e isso nos incomodava, pois éramos culpados pela distância, e um certamente expiaria por fustigar o silêncio (é esse, o culpado). Então inventei um terceiro com extrema verossimilhança, de modo que ela (a minha companhia) o reconhecera na memória. (Mas não passava, no fundo, da figuração indireta de um andarilho que carregava latas vazias amarradas na cintura). Culpamos-no logo por tudo e no fim das contas foi uma saída simples. Estávamos curados!
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quarta-feira, setembro 14, 2005
notação sobre a figura
um sentido: afeita à imitação platônica, a figura se impõe como a verdade objetiva ideal, moral e correta. Ela educa os indivíduos para levá-los ao bem Universal, ensina-os como e o que devem querer. Essa educação é figurativa. O figurativo é o símbolo com característica de mero ícone sem códigos de referência, como a marionete que funcionaria sem um manipulador. É esse conteúdo estranho e não visto que amarra o ímpeto iconoclasta infantil, capaz de estribuchar o estado normal dos elementos em busca de interior. Assim, o educador infantil platônico tem como guia metodológico a necessidade de impor castigo à criança, para proibí-la à experiência com o estranho. Pretende-se prevenir contra a experiência de morte (o vazio, o não-senso), que ao mesmo tempo guarda a possibilidade de descoberta e vitalidade. A relação com o ícone opaco pode ser, ainda, perversa ao destroçá-lo, prática também inibida. Educação figurativa é a coação para o dominante forjado com objetividade.
método e intenção
a educação figurativa ultrapassa a questão da técnica, que enquanto habilidade independe do motivo ou da representação à qual se presta. Entretanto, a técnica acaba por vincular-se à idéia e às premissas morais do artesão ou da instituição que a ensina. As dimensões ideológicas de duas colagens semelhantes, por exemplo, podem ser extremamente distintas. Uma pode deliberar a mímese como movimento bio-fisiológico construtivo, ou projetivo ou, ainda, perverso. Outra instaura a mímese ideal, o modelo de comportamento social, do qual deriva o respectivo plano estético. Esse constitui uma Estética de juízos, não estética de sensações, de sentidos ou de diferenças significantes. Por isso, a figura (diferente de figuração ou figurabilidade) não é um universal contaminador do simples fazer comum da criança que compõe uma casa no campo ensolarado (ela pode estar fazendo isso à diferença do ideal do adulto que tentou condicioná-la, interagindo com a linguagem disponível ao jogar com designações pictóricas pré-existentes). A educação figurativa, como outra qualquer, vai além do método, mas porque parte de intencionalidade exageradamente moral. O que nela se ensina não pode ser arte figurativa, porque ela não pode ser disciplina particular, como a pintura, por exemplo. Para ela disciplina é o sinônimo de obediência. Seu método: punição e crítica; sua intenção: controle.
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sexta-feira, setembro 02, 2005
melencolia
Heráclito: "A mais bela harmonia cósmica é semelhante a um monte de coisas atiradas."
Antônio Vieira: "A ironia tem contrária significação do que soa: o riso de Demócrito era ironia do pranto; ria, mas ironicamente, porque seu riso era nascido de tristeza e também a significava; eram lágrimas transformadas em riso por metamorfose da dor; era riso, mas com lágrimas ..."
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segunda-feira, agosto 29, 2005
aquele que chegou próximo da escuta estética correu o risco de se tornar especialista, porque em nossa moral não se pode deleitar do sofrimento alheio, nem demonstrar sentir o cortante da fala. Daí uma prática cuja função, na sociedade captalista, é o recalque dos sujeitos que a constituem, dos seus profissionais.
talvez, porém, os surrealistas tenham reivindicado um gozo-de-escuta na fala, na prática da projeção de pensamentos associativos. Esse foi o seu anti-modelo terapêutico. Degringolara, o dada, até que filhos dele descobriram limites expandidos que um plano melancólico e niilista trazia enquanto vontade! O desespero pode ser e parecer amigo do simbólico, ou seja, ser perverso com um círculo que o domina e desdobrar a ordem (o mando) em suas possibilidades mais progressivas, fazer assim o seu método não-estruturalista de educação.
Será possível um método da educação por intermédio da escuta, uma sociedade das falas in-materiais em que o livro de memórias e coisas acabadas não seja mais uma instituição? Será possível levar, ainda, esse ideário além de um plano de harmonias e construí-lo na instabilidade suburbana, como uma escuta marginal?
- respostas a essas perguntas a cargo de outras gerações.
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sábado, agosto 27, 2005
metafísica do livro - o ritual
1) oferecemos o corpo, para que as páginas o fatiem;
2) abrimo-nos aos prazeres do não-senso;
3) deixamos que fístulas nos desenraizem e descorporifiquem - a leitura é infecciosa;
4) fazemo-nos vel e névoa a-histórica distendida;
5) cosmificamo-nos;
6) sentimo-nos flutuantes e singulares;
7) por último, desconfiamos que o simbólico nos sujeita - o nosso livro e filosofia resultaram de uma doutrinação hegemônica.
... depois, ainda, além do imaginável, esquecemos - olvido-é-válvula.
"(...) E como, de fato, há no texto [bíblico] tanta coisa obscura e inacabada, e como ele [o crente] sabe que Deus é um Deus oculto, o seu afã interpretativo encontra sempre novo alimento. A doutrina e o zelo na procura da iluminação estão indissoluvelmente ligados ao caráter do relato - este é mais do que mera 'realidade' - e estão, naturalmente, em constante perigo de perder a própria realidade, como ocorreu logo que a interpretação atingiu tal grau de hipertrofia que chegou a decompor o real".
AUERBACH. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2004. P.12
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domingo, agosto 21, 2005
Interessante... Garimpando nos cafundós das minhas lembranças que foram escritas para poderem ser esquecidas encontrei uma mosca e um mosquito. É assim, lendo, que de muito se lembra. Portanto, alguém que leia meu escrito pode lembrar por mim daquilo que eu mesmo sequer imagino que existiu um dia. Mesmo que eu me tenha encarregado de escrever (e esquecer). Segue um novo achado, agora devidamente catalogado e numerado.
039 (A Mosca e o Mosquito)
Zumbido
Mosca
Mosquito
Escondidos
Zumbido
Mosca
Mosquito
Aflito
Zumbido
Mosca
Mosquito
Lixo
Núpcias ao relento
Zumbidos gemidos no vento
Mosca
Mosquito.
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segunda-feira, agosto 15, 2005
domingo, agosto 07, 2005
a fotografia na microexperiência social
"moça, tira uma foto minha ali?"
comportamento típico de mãe curitibana é obrigar suas crianças a fazerem o mesmo...
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domingo, julho 31, 2005
romantismo (in)vulnerável
delacroix. liberdade, 1830.
O Estado brasileiro de hoje quer ser libertador. Mas sua realidade é o positivismo neo-liberal mantido no disfarce de romântico, com toda a sua aura academicista. Por isso ele gasta muito mais em propaganda e marketing do que em educação.
cicatrizes - o Iraque um ano depois
fotografias de anderson schneider - museu oscar niemeyer - curitiba, fev/2005. (foto retirada do folder da exposição).
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sexta-feira, julho 22, 2005
Penso que a solidão resolveria boa parte da paranóia social que vivemos.
Certa vez fui andando sozinho do bar até em casa. Eram 2 da manhã e o caminho é tido como perigoso por muita gente. A rua é toda vazia nesse horário e as casas estão fechadas. Há muito medo dos criminosos, mas muitos poucos deles. Como resultado, a noite é desconhecida e o céu nunca tem muitas estrelas, pois elas e tudo o mais só existe para quem os percebe, não para essa classe média, que vive de temores. Fui chamado atenção por me sujeitar ao desconhecido.
Toda percepção do exterior, feita no caminhar, e toda solidão, têm sido substituídas pela segurança. A casa moderna é a simulação da ausência do morador, e é mais cerrada do que a caverna, com objetivo de que o sujeito esconda-se do perigo. Assim também o carro... Tudo sintoma de uma síndrome. A relação com o mundo nesse lugar é guiada pela insegurança e por isso promove-se o excesso de segurança e a tentativa de forjar a privacidade. Resultado: o Estado e a classe média gastam muito mais com segurança do que Deus e o Diabo gastam produzindo marginais perigosos. Mas seria mais econômico para o Estado subornar os criminosos - pagá-los bons salários para que vivessem bem, praticassem um esporte, assistissem filmes, aprendessem um instrumento musical, se iniciassem numa ciência etc. - do que aumentar a polícia e o poder executivo.
Ainda assim, será que a grande paranóia persistiria? Talvez não, se as pessoas redescobrissem a própria solidão. A solidão é um tema fundamental que precisa ser visto pelo povo do Plano Piloto. Ela deixa atuar a mímese, faz parte do distanciamento e da identificação. A saudade e o medo são de certo modo solitários, mas há o ser só de si mesmo. Uma rua molhada, enquanto pura representação pictórica só instaura inseguranças, pois resiste a traduções, mas, por isso, não se pode buscar nela equivalência ao mundo. A lembrança de um crime também é representação da memória, não é idêntica a nada, faz parte da mímese mnemônica e quem a tem só pode fazê-lo estando sozinho - não há imagem idêntica em outra memória.
Sujeitos representados na gravura de Goeldi caminham no sentido contrário ao espectador. Segui-los ou persegui-los, tentar fisgar sua solidão, é ficar só de si mesmo, abandonar-se e, desse modo, entrar no mundo (naquele mundo gravado, de imagem). Assim, podemos dizer que esse espectador é a possibilidade da percepção e da existência, ele anseia pelo fim de toda insegurança, enquanto aquele que se tranca suprime a relação e a vida. Assim, ao nos levar para a experiência com o outro e com o exterior desconhecido, a solidão deve ser, cada vez mais, a nossa casa.
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quinta-feira, julho 14, 2005
O medo da morte é bem mais forte do que pinga. Por isso, posso dizer e repetir agora: "eu amo meus amigos". Meu corpo vai mal, ele sente muito.
039
Livro é um moedor de sentimentos
feito de oclusões espiraladas
e quem não é?
038
... sou uma poesia que se alegra com o passado
meu modo de ser é em voz baixa.
quer dizer que minha existência
é o vazio.
... sou toda palavra amontoada ao lado
sem ser lida nunca em lance -
como um dado o qual se atira,
um corpo que voa.
... não narro o meu presente
vivo a morte desfalecendo -
o meu ser em surgimento se perde
- com olhar de criança.
... não tenho inclinações para o concreto
pois sou toda pensamento
e lembrança.
... sou poesia escrita em solidão,
à margem da História.
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domingo, julho 10, 2005
Este poste contém:
5 assuntos (ame um e case com ele ou então pegue todos).
a)
pra não perder o costume:
NOVA LEI DE TALIÃO - Nicolas Behr
miopia por miopia
cárie por cárie.
b)
senhores(as) de Braxília, vão às exposições da CAL e do IdA-UnB. Valem à pena. Destaque para o Moisés (CAL) e a Neila (IdA), como você pode ler aqui pelos olhos do Matias.
c)
Ah como ser tanta emoção
Na harmonia do abraço
E ser somente esse abraço
Num continente de afeto
O corpo completo sente
Que repleto não se cabe
É o coração em despejo
É a lágrima em seu trajeto
Que zelosa evita o lábio
Para não salgar o beijo.
(O Abraço e a Lágrima - mas sem título é melhor - Lula Queiroga)
d)
eau de parfum - aqui os posts são sentimentos, se expandem feito o ódio maldido de quem os remói consigo. Seja bem-vindo, a vida é glamurosa.
e)
Amo a quem me usar de luva.
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sexta-feira, julho 08, 2005
036 (Sobre o bege e o beijo)
Cobra-me decidir
(quem me cobra? Um-in-sujeito)
entre o bege
e o beijo.
Encontro o em-com-traste.
Não dá pra escapar
porque a lã é bege (Allanbege)
e nessa encruzilhada eu beijo.
Cor feia é o bege
que em oscular se perde
cai dentro entre-pele
sai fora indiferente
como fingisse o que dela se esquece.
Entre o bege e o beijo
mais que um trava-líguas.
É aí que a própria língua escorrega
porque o bege é um sabonete
lambisca, babuja e repete:
Bej.
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segunda-feira, julho 04, 2005
035 (Cântico da Taverna)
Só escreve
quem esquece
e não manda
nem obedece.
Só a marginália me apetece!
Só a marginália!
Só a marginália!
VOLTEI!
Parabéns a São João e São Luiz Gonzaga!
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sexta-feira, março 25, 2005
Bibliofagia
Luciana Paiva, Luciana Fernandino, Rebeca Borges e Matias Monteiro.
Exposição com abertura dia 31 de março (quinta-feira), 18:30, na Galeria da Funarte do Eixo Monumental.
.
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segunda-feira, março 07, 2005
Nota sobre o ser-em-si
"Só a vontade, cuja obra, ou, antes, cuja imagem é o corpo, é o indestrutível" (Schopenhauer).
Soldado Morrendo. Robert Capa, 1936.
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quarta-feira, março 02, 2005
sexta-feira, fevereiro 25, 2005
Mar é náusea
... e a Lagoa: quantas vezes percorri a lagoa? (45 minutos pra vir, outros 45 pra voltar) Chega daquelas velas, garças e tudo mais. E os três dias de tempo fechado, ainda por cima?
Se me diz "Ulisses", lhe pergunto "qual Ulisses?". Guimarães? Morrer em paz com a tal Iemanjá... Não mesmo! Esse vento leva todo pensamento pra longe. Não me adapto, preciso de feridas durante a meditação.
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sábado, fevereiro 12, 2005
Fugidinha
Vou ali malhar o judas e volto já. Considero um ato psicotopossomático, me conheço e sei que sou incompreendido com fama de teimoso. Sempre ali: com medo do mal entendido.
Fui esfaqueado hoje, por vulnerabilidade, mas sem essa de Jovem Werther pro meu lado, calça amarela! Todo essa queixa não pode ser só por causa de um telefonema. Telefonema é pretexto.
Acabei deixando vocês aí sem entender nada. Quem mandou? Foram concordar com essas publicações da vida privada, agora agüentem o desligamento automático. Prometo que é momentâneo. Atenham-se à vantagem de sermos homicidas! O autor não pode conosco, porque somos a própria escrita. Pratiquem todos, publiquem as suas agonias íntimas!
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domingo, fevereiro 06, 2005
uma licença poética abusiva
nazi e a sopa de letrinhas
Z N
pureza, reverência, civilização
quem quer?
eu não

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segunda-feira, janeiro 31, 2005
Tudo sobre uma árvore
...
nada para arvorar o pensamento,
E como os olhos cindem naquela árvore... e naquela outra! Vão direto à bifurcação do tronco - imagem pulsante: mania. Ao mesmo tempo, um mui comum (epocal) estado demasiado emotivo, diria, uma impossibilidade e, sobretudo, fusão importuna, intermitente e alienante da alma. Anima, diz o dicionário, significa princípio de vida.
Árvore engendra uma repetição e uma leve alteração. Penso que signifique vento nórdico, do grego (aér - ar ou atmosfera - mais Bóreas - o deus Bóreas e no sentido de vento nórdico, propriamente). Ar e vento não são sinônimos, mas, em determinada disposição de leitura, se tocam e fazem o ar (atmosfera) mutável, tomado por um de seus elementos moventes. É como Bóreas, que virou a figura de sua tensão animal: de suas duas histórias, a que conheço por alto diz que se transformou em garanhão para deliciar-se com eqüinas que pastavam por campos da Ática.
Talvez toda fusão do tipo arbórea (e as outras) denote certa animalidade, uma regressão do domínio cognitivo. Aqui me parte um vento pulsante, um vento-machado impiedoso, que não permite transportar seivas como Paul Klee, nem fundir de todo. Posso, entretanto, desenhar uma narrativa da insuficiência, uma narrativa da busca por identidade:
Eucalipto é confortante, não bifurca. Poucos quilômetros se caminham à pé daquela primeira árvore da mania até um coletivo de eucaliptos. Com lapso corporal, reduz-se esse caminho a frações disléxicas de chão. Derivei naquelas árvores mais altas e menos bifurcadas. Me vi deitar ali no chão, no asfalto em frente, mas não, era radical, suficiente demais: a retidão extrema. Quem está disposto a arcar com o radicalmente eficaz?
Notei minha alma por perto ali: corpo abalado, pensante, mão direita sobre a testa, olhos vidrados além... Colapsamos linhas na técnica anima sobre paisagem. Uma linha dessas sai pela L3 Norte, só uma, abstrai-se até sumir, vez em quando acaba simulando vísceras (vai, volta, pára, cria paralelas trêmulas, incertas) e torna a desaparecer. Ziguezagues (inquietações). Mas, se não a capacidade para radicalizar, então a calma em conformar. Eis a cura.
Mais um pouco tempo e em frente estava "a" árvore. Bruta, por aspecto e posição de contra-luz com o sol, não por espessura. Curvava o caule para a esquerda. Meio sem cobertura, a copa dizia com o nariz: para lá! Era o ato da tomada de consciência: a curvatura para além do plano. Me abriguei na forma aberta. (Ali ao lado está a outra, a primeira, tenebrosa, pensei ainda). O vislumbre foi um caminhar, seguir aquela pista lançada ao vão.
Texto com alterações, publicado originalmente em:
LANA, Allan de. Tudo Sobre uma Árvore, In PAIVA, Luciana. AR VES. Brasília: Clasta & Clepta Edições, 2004.
Publicação disponível na BCE - Universidade de Brasília.
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domingo, janeiro 30, 2005
em suma
"É que a gente vai
E fica a obra.
Mas eu persigo o que falta
Não o que sobra."
panorama invertido de qualquer pessoa humana.
de modo que não me encontro.

férias
pé na jaca.
conformação é a munha do gosto
o passo se dá no abandono
quando viajo busco desencontros
o mais é um saco cheio que não derrama.
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segunda-feira, janeiro 10, 2005
Agora cheguei da Universidade (já passou de 23:30h) e podia estar no banho pensando em cama. Mas não resisto, e vocês não vão ler isso, porque pensaram que eu só escreveria outra vez em fevereiro e, quando lerem, não poderão comentar. Ótimo, eu adoro calar o silêncio aos outros (na Internet calar tem essa dupla transitividade - e como eu gozo dela!). Vos digo, não sou o Mr. Hide, nem criação de um Dr. Uterson desvairado (e como acreditar nessas negações? Tomem-nas pelo (an)verso, se quiserem). É tudo verdade.
Eu sou. Por isso escamoteio o que passou. Quem vive maltrata o passado consigo mesmo.
Era isso... Algo errado?
Agora posso pensar em dormir. Muito obrigado, palavrinha.
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sexta-feira, dezembro 31, 2004
Até daqui a um mês, mais ou menos. Boas festas. (...eu sobreviverei).
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segunda-feira, dezembro 20, 2004
Estética Heimlich Transcendental
Obs.: este texto faz referência a uma parte específica da exposição do grupo "Eu, Você, Nós, Eles", que está acontecendo na CAL (Casa da Cultura da América Latina), no Setor Comercial Sul. Ao mesmo tempo é um convite, pois a exposição vai até o fim de janeiro de 2005.
Kant pós-freudiano? Caro leitor, isso não é deriva, mas uma um surto espaço-temporal. Surto eu. Surtara você ao ver o garfo do Matias Monteiro ou então ao querer usar seus óculos? Se sim, concordará em que há neles um estranhamento que acena, que quase se ergue como ameaça a realizar-se, quase torna seus objetos animados e duplicados.
O ato de ver não só transforma o visto, mas deve proteger o olho. Por isso, a ilusão nunca se realiza: ela aponta faminta para todas as nossas azeitonas, mas não pode fisgá-las. O limite, que é o sentido comum, o ver e conformar-se, é o que Freud atribuiu ao heimlich, familiar. Naqueles objetos siameses do Matias encenam-se quase além desses limites: nascimento e heimlich.
hum) nascimento: dois corpos nascidos não podem fundir-se, nascer é consolidar-se como organismo vivo, unidade, por isso, como para a Nazareth Pacheco, nossos corpos são emborrachados, têm pele, proteção contra a morte.
dois) heimlich: Freud mostra como na história do uso da expressão "heimlich" essa começou a assumir outro sentido, oposto do familiar, o que viria a originar o unheimlich: esse, estranho, aparece como algo oculto no familiar, ameaça que deverá ser encoberta.
A intuição transcendental ocorre sem objeto, ela se realiza no tempo e no espaço, que restam se supomos não haver mediações dos cinco sentidos.
hum) o tempo segundo Kant: é uma intuição "a priori" que estabelece sucessões nas quais um mesmo objeto está presente em seus vários momentos, sem, no entanto, perder sua unidade.
dois) O espaço segundo Kant: é uma intuição "a priori" na qual existem vários objetos que jamais se sobrepõem e só podem existir uma única vez, separados por suas distâncias.
Assim, espaço e tempo são indivisíveis e, neles, as coisas são unidades (espaço) e estabelecem relações internas, tensões, se movem (tempo). É no espaço e no tempo que as formas podem ser percebidas e que as coisas unas se dão aos sentidos do sujeito cartesiano. Mas aquele que vê e sente o que Matias apresenta quase rompe os próprios órgãos dos sentidos. Ao mesmo tempo que vê configurar-se uma aberração, o nascer de um duplo real, também pressente (caso considere absurda a primeira visão) a fusão mortífera. Impossível fugir do unheimlich.
Em lugar de tempo e espaço cartesianos como "intuições 'a priori'", esses aparecem como recalques: sua unidade reconforta a consciência da vida e da potência (reforçada pela unidade do sujeito), mas é mera proteção imaginária. O espaço sem recalques se confunde com o tempo. A expressão "espaço de tempo" é um ato falho da cultura, que indica nessa dubiedade seus prazeres e horrores ocultos por força da linguagem. Prazeres, sim, porque o duplo evoca relações narcísicas do eu.
Se o objeto dos sentidos (seja um garfo, um óculos ou um tênis) se oferece à sensibilidade duplamente, de modo absurdo e abusivo, há uma solução para senti-lo e outra para rejeitá-lo:
hum) a solução para negá-lo é o abrigo da cultura, dizê-lo absurdo para não causar vexame;
dois) a solução para senti-lo é oculta: duplicar também os sentidos, dobrar a sensibilidade kantiana e admitir, assim, o romper dos prazeres e das mortes.
Se aceitamos, secretamente, a segunda solução, duplicamos também, secretamente, os órgãos dos sentidos. Somos Narcisos monstruosos, receptivos a tudo. Surtamos espaço-temporalmente, admitimos o espaço como tempo-espaço. Surge em nós o corpo verdadeiro, que é o corpo erótico, onde ocorrem "a priori" todas as possibilidades. Não é mais um corpo desejante: para ele existe a fruição e o prazer da morte (sem pesares).
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terça-feira, dezembro 07, 2004
Nunca falei de mim mesmo: tudo o que digo e escrevo sou eu (provisório). Não é egoísmo, mas talvez narcisismo por mim (ou por um "eu") esfacelado. Quantas interpretações para essa declaração? Que implicações isso tem? Antes de tudo, rejeitei às belas, eloqüentes e bem intencionadas verdades, fiquei sem princípios, mas não sei o suficiente sobre mim. Você sabe? Quase transcendo, como em momento de auto-esquartejamento espaço-temporal. Só posso aliviar a pressão não levando nada com seriedade, isso relaxa meus tendões, posterga o rompimento da última fibra solitária. Penso seriamente que vou a termo de propósito. Caso contrário, me viro contra-baixo e durmo essas cordas de som parco e sem sustento. É um ápice, um momento de silêncio, de suspensão.
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segunda-feira, novembro 22, 2004
fragmento de um quarto
Como um diafrágma, vertia a ausência semelhante à descoberta, para um gozo de solidão.
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quinta-feira, novembro 18, 2004
Extra!
a bienal depois de um mês e dois dias
Me perguntas: e a Bienal? Toda crítica a depreciou.
Algumas propostas de fato são descamadas ou perturbadas até a queda pelo ambiente conturbado, principalmente no térreo. Mas de início dois momentos me fizeram bem. Agrupei-os com o nome de "obras-descanso", pois seu primeiro impacto foi reter a turbulência e sugar meus sentidos para tateá-las. Laura Vinci e Jorge Macchi foram seus autores. Ambos utilizam materiais não-sólidos e que causam sensação de algo fluido: o som de caixinha de música (ar), em Macchi, o vapor d'água (ar e água) em Laura. A natureza nos dois são diferentes, porque em Macchi o som é associado à imagem de vídeo em loop de uma avenida larga vista de cima, com carros passando em diferentes velocidades, o que deixa o rastro de seu contexto original do cotidiano, que é crítico se estivermos em Sampa. A natureza de Laura deixa espaço maior para a potência do fenômeno natural em si, a evaporação e a condensação. Eles abrem grandes espaços para o gozo fora da experiência e a recombinação de Macchi provoca situação estranha, de desfamiliarização com algo muito conhecido e já carregado de significados, mas ele resiste, provoca como uma criança teimosa e não cai no reino comum dos significados.
Mas esses foram apenas os primeiros a me seduzir. Minha reação foi diferente com Batchelor, por exemplo (imagem acima)... E foram tantos outros...
blog temático
Alguns dos próximos meses serão temáticos. À direita está o tema para novembro. No fundo já são votos para 2005.
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domingo, novembro 14, 2004
Com Barthes, por uma estética da dor.
"O estereótipo é a palavra repetida, fora de toda magia, de todo entusiasmo, como se fosse natural, como se por milagre essa palavra que retorna fosse a cada vez adequada por razões diferentes, como se imitar pudesse deixar de ser sentido como uma imitação (...) Nietzsche fez o reparo de que a 'verdade' não era outra coisa senão a solidificação de antigas metáforas (...) O estereótipo é esta nauseabunda impossibilidade de morrer".
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sábado, novembro 06, 2004
Quem não foi à vernissage de ontem à noite não viu a infância das "Duas maneiras de furar a si mesmo". Os papéis se modificaram. O vento os torceu e a umidade da chuva invadiu a galeria. O lugar não é mais o mesmo. Convido-os para que assistam a essa metamorfose.
Breve comentário do Matias Monteiro
"A exposição de Allan de Lana na galeria de Bolso da Casa de Cultura da América Latina resiste a escrita. Ele constitui um espaço á parte; Allan nos lança irremediavelmente a um espaço outro, onde elementos flutuam em um desdobramento espacial que não se limita. A idéia dos furos e perfurações (já não recente nas pesquisas de Allan, mas só agora aberta ao público) não perde de vista a agressividade inerente no ato de perfurar, de vencer camadas, forçar caminhos e irromper superfícies. As pequenas inscrições pueris que Allan dispõe sobre as paredes revelam essa agressividade. Mas há também nelas muita suavidade. A perfuração neste trabalho se insere entre o ato violento de romper, e uma poética do não-limite, da não barreira, uma tentativa de igualar interior e exterior em um só espaço. A escolha de Allan pelos grafos infantis parece, neste aspecto, bem acertado. Não se trata de uma ingenuidade, mas de uma clara percepção da infância em si. O mundo também nos irrompe, nos adentra de forma violenta, ou na ambigüidade inerente a violência (furar o papel não com a ponta do prego, mas com sua outra extremidade umidecida). Disso advém uma possibilidade de amplitude.
Os pregos na parede sustentam com certa suavidade os textos e inscrições poéticas. O prego desconhece, ou conhece mas despreza, os limites físicos da sala. Ele quer ir além, ir através... O enxame de maribondos (são todos um nesse jogo de réplicas do coletivo) transfiguram-se em um só ataque, em uma só ferroada. Allan possivelmente não sabe, mas é discípulo inegável de Thanatus; seu furo aponta para uma possibilidade de equilíbrio de suspensão tencional, esse corpo perfurado é o corpo da não resistência, um corpo não mais tencionado, um corpo sem interior... um corpo que dessolve mediante a crueldade do furo, em total amplitude espacial".
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segunda-feira, novembro 01, 2004
Voltei pra convidar vocês
Eu eu professor Vicente vamos abrir três exposições ao público dia 5/11, sexta-feira agora, 19:30h, na CAL - Casa da Cultura da América Latina.
A CAL fica no Setor Comercial Sul Quadra 04 - Ed. Anápolis, perto das Lojas Americanas.
Ocuparei a Galeria de Bolso com "Duas Maneiras de Furar a Si Mesmo". O resto é por conta do Vicente.
Duas Maneiras de Furar a Si Mesmo é composta por duas proposições inéditas. Uma são apropriações e pastiches de desenhos meus quando criança, outra é baseada em "Como furar papel-de-seda-azul-com-bolinha-branca", uma técnica sádica para realizar furos industriosos em papel.
Os desenhos infantis apropriados e imitados, o "Como furar papel-azul-com-bolinha-branca" e uma série que não é inédita, de desenhos sobre insetos, estarão expostos na Galeria de Bolso da CAL - Casa de Cultura da América Latina - a partir de 6/11/2004. A abertura da exposição acontece na noite dessa sexta-feira, 5/11.
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sexta-feira, outubro 15, 2004
reclamações, ora bolas
Só o metrô salva. O ônibus faltará.
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quarta-feira, outubro 13, 2004
Nunca vi Derrida antes que ele morresse.
Ele enfartou no Viaduto do Chá
Caiu no Teatro Municipal.
Rastejou até a Avenida das Quitandas
Quis tomar um mokaccino
Mas já estava louco o suficiente
Quase satisfeito.
A palavra o fez quedar o resto.
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sexta-feira, setembro 24, 2004
A partir de hoje teremos mais imagens. Espero que o fato de boa parte delas ser fotografia, entretanto, não as façam bonitas e burras, nem feias e inteligentes. A primeira é bonitinha, bem executada, depois editada, pra ficar mais babaca ainda. Veja como ela é patética, veja como a beleza pode ser horroroza e como não cabe nesse espaço aqui, do eaudeparfum, nem em outro espaço nosso, íntimo. Por isso a publico: gosto de coisas feias, principalmente quando desacatam autoritarismos por si mesmas. Chacotas!: esse é um olhar pra fora, um olhar inconveniente. Adiante voltaremos à nossa leveza, uma ventania de quem tem pesos insuportáveis em suas cabeças-cheias, e que por isso sabe ter momentos de deleite a dois (ou mais).
Tratada de outra maneira, esvaziada da beleza e da harmonia, essa é a imagem de um templo, onde a meditação é usada para, justamente, harmonizar, expandir-se no espaço azul ou branco, vazio. Mas, nesse vazio tão cheio de sentido que se torna agressivo dependendo do blog que o expõe, algo há de ser notado: a mediação. O teto busca a imensidão onde, supostamente, moram espíritos. Mas atrás de um muro preto mora São Francisco, dando de comer aos pássaros. Joões de barro, suas moradas tão singelas, arrebatando de revés as alturas gloriosas de templos com frisos extendidos até as nuvens, são tanto quanto a lembrança pelos sentidos, nada mais, tudo o que se procura sem êxito noutro paraíso. A Beleza com "B" maiúsculo não é terrena.
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sábado, setembro 18, 2004
domingo, setembro 05, 2004
Merz
Conhecer o merz é simples e importante. Ele é uma negação sarcástica da razão utilitária.
Como a dialética de Hegel, na denúncia de Michael Peters, composta por negações que constroem a afirmação segundo um princípio de diferença, pode-se pensar o merz em termos do que não é. Peças cheias de "styling" feitas com sucata e ferro velho não o são. Elas podem captar o sentido mercantilista da reciclagem, o mesmo buscado por marqueteiros preocupados em aparentar responsabilidade com o meio ambiente, mas são falsas obras de arte.
O merz verdadeiro, como eu e você praticamos, não se deixa conduzir por moralismos do momento, ele não tem a utilidade como razão de si. O seu autor não abdica do estar-aí, do "ser-no-mundo" e no outro, como primazia da consciência-de-si-no-mundo. O gênio, ao contrário, despreza valores que possam contrariar o luxo idealizado por seus compradores e faz um lixo estilizado.
Para avançar ao conceito, uso a sintaxe anti-nazi de W.Benjamin: afinal, o que é o merz? É uma experiência singular, composta de elementos espaciais e temporais, mas também de relações plásticas, tensões visuais, e sensações conceituais geradas pela descontextualização do elemento descartável. Foi nomeado por Schwitters em 1919, quando usou em sua colagem um folheto de um banco comercial (comércio em alemão = kommerz).
Um dos princípios fundamentais do método de Schwitters consistia em escolher materiais descartados, ordená-los, sobrepô-los e pintá-los parcialmente, de modo a tornar muitas de suas características e textos quase completamente ilegíveis. Obtinham-se relações de tensão compositiva e novas leituras para os "Descartes". Conceitualmente esse princípio pode ser resumido como alteração das relações funcionais com o objeto. Da importância à massificação e do apelo utilitarista vai-se à experiência única, tanto de criação quanto de uso. Das coisas mais ignoradas nas relações despersonalizadas e anômalas vai-se à plasticidade e à percepção. Não há a mínima necessidade de asfixiar a falta de originalidade dos materiais utilizados.
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segunda-feira, agosto 30, 2004
domingo, agosto 01, 2004
031
Seu andar confuso não fazia som.
Toda fotografia é muda.
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quinta-feira, julho 29, 2004
O quê que esse blogue tem
122 posts, esse é o centésimo vigésimo terceiro. Número razoável, pois aqui não se preza por quantidade, nem por qualidade. Toda qualidade deve ser atestada por um agente, por uma entidade externa. No caso do eau de parfum não existe essa entidade, apenas conflitos (ou mesmo afinidades) com meus leitores. A irreconciliação comigo mesmo precede a assistência, de maneira que esse fator é mais preponderante ainda do que ser lido, porque uma das intenções maiores do artista é ser o seu próprio público. Nesse aspecto eu assemelho-me-o.
Leite em pó
Por uma lata de leite em pó (na faixa de R$ 5,60) se assiste a uma sessão de filmes não-narrativos. São curtas e médias metragens produzidos dentro, em afluentes ou desmembramentos do Surrealismo e da vídeo-arte. Filmes que despertam a fúria de pequenos cineastas direto da Disneylândia para a Universidade (coisas muito semelhantes, só que na Universidade o teto do trem-fantasma tem rachaduras e despenca de verdade), mas de linguagens tão distintas das tradicionais produções comerciais ou narrativas que seria difícil julgar uma diante do tribunal da outra.
Hoje assisti ao "Water and Power" (1989), de Pat O'Neill. Para amanhã a programação prevê vários curtas, três de Man Ray, um de Duchamp, outro de Fernand Léger. Os nomes provavelmente são conhecidos de muitos, tratam-se de artistas multimídia que tiveram grande repercussão internacional dentro das artes plásticas. Os ingressos são retirados na recepção do Conjunto Cultural da CAIXA e quem quiszer ir comigo amanhã tem o meu leite em pó: uma entrada grátis!!! Imperdível! Tudo bem, reconheço que por esses dias estou meio mão aberta. Mas o que é que tem? A doação é para o Fome Zero.
Já que esse evento faz parte do Foto-Arte, tomo a liberdade de convidar a todos para a exposição de Lartigue ("Moi et les autres"). O fotógrafo é formado pela inspiração e pela técnica. Há tempos eu evitei mencionar essa tal "inspiração", mas devo reconhecer que algo ronda outros sistemas menos rígidos, severos e destrutivos do que o meu próprio pensamento. Sua atividade com a câmara começou aos seis anos de idade, junto com um diário sobre sua relação com a família e amigos. Sua versão de álbum de família é registro, não fetiche, o registro da dialética e da interação entre aparelho e ser humano e também da expiral do tempo a voltar-se sobre si em desencontro.
Convido-os também para a exposição do Grupo 01, na CAL, em que Ruth nossa amiga está expondo, e para "Muros Invisíveis", da Neila, outra nossa amiga, no Espaço Cultural Renato Russo (508 sul). Não pretendo passar por companheiro promíscuo para com minhas colegas primogênitas, mas ainda não as visitei. Admiro, entretanto, ambas, a Ruth por entregar-se à experiência insólita, mórbida e procesual da técnica, a Neila por fazer uso do incômodo de uma linguagem muito pessoal e que manipula uma estética abandonada pela vontade de ver gordurosamente que paira em toda a sociedade: a excelência de sua composição e nitidez fotográficas são qualidades justamente no apagamento posterior que sofrem, no embaralhamento de imagens e na impressão desbotada (espero que a instalação esteja tão boa quanto as impressões).
Até esse fim-de-semana.
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sábado, julho 17, 2004
Sexo: muito diferente de quatro dê
Vão-me desculpar aqueles que desejam saber o dia do término da exposição "O Pornógrafo", eu não sei, mas antes fingir ser uma celebridade da e-pornografia a emprestar sua cara ao Mikey. Aquilo, sexo como interação virtual impressa e temporalizada, você pode experimentar, por enquanto, na galeria da UnB.
Esse é o tipo de encontro entre realidades que não se realiza na pretensão sapientista de uns ditos "pesquisadores". No CCBB, lá onde uma quarta dimesão tem sido referida para disfarçar deficiências nas ilusões bidimensionais miméticas de um 3D obsoleto, conceitos dos mais ecléticos se debelam para justificar atos viris demais. Trata-se da exposição "maior ou igual a 4D". Nada de errado em performances de corpos informáticos ou em uma projeção de serpente em morrinhos de areia. Aliás, é até muito competente quem viaja pelo Brasil levando a casa nas costas, como a tartaruga e, com isso, desenvolve teses maravilhosas. Mas acreditar-se pesquisador de ponta, ou de vanguarda, expor uma velharia que foi abandonada pela Atari, Sega e Nintendo ainda na década de minha (sua e nossa) infância e ainda frisar sua grande habilidade em ser artista multimídia e avançado é incoerente.
Um dos nossos paridores nesse momento em que os títulos e as imagens de enunciados demasiadamente explicativos tentam tomar o lugar da competência prática e empírica deveria ser o Eco, o Umberto Eco. Ao falar do tempo do conteúdo, diz que o enunciado é típico da "expressão" (que põe assim, entre aspas) física da obra de arte. Nela há vários tempos, um deles é o de recomposição, que está explícito em um quebra-cabeças da mostra "O Pornógrafo" de autoria do João, nosso amigo (o brinquedo recompõe ao ser montado). O tempo do enunciado possibilita o aparecimento de um outro, o da enunciação, que é o da coisa representada ou, pode-se conceber, da coisa (re)assimilada. O que temos, entretanto, em uma das galerias do CCBB é o total despautério entre enunciado, enunciação e interação. O artista prepotente (quero dizer, "pesquisador") é tão capaz e superior que realiza a façanha de o discurso sobre a coisa existir antes dela (no que não há problema, mas) sem sequer implicar em sua origem, em sua construção factual ou manter qualquer ponto de contato com ela.
O que vemos são enunciações falseadas e sem lastro esnobando volúpia e um brilho ofuscante cheio de opacidade discursiva atravessadas como espadas no olhar entre o visitante e os enunciados da obra em suas características assimiláveis. Sinceramente, os pênis de chocolate da meg são mais apetitosos do que essa vontade portentosa e oca.
P.s.: Meus professores (inclusive os meus amigos), eu vos adoro, vocês são grandes pesquisadores, mas esse seu recalcamento elitista não se pode suportar. Espero que vocês não formem pesquisadores dessa elite postiça.
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sábado, julho 10, 2004
Ah, enfim, as idéias assentam-se... As férias chegam lentamente e eu te amo, desiludida comigo! Reconheço, deprimo até os pombos, os gatos, as formigas, os móveis, mas meu peso, na verdade é 57: de tanto trabalhar parado engordei um quilo.
Viva nós, os ofendidos que usam roupas brancas!
028
Como são doces esses pensamentos
Como são feitos de cana
E vapores de alambique
Vendo assentarem-se logo em frente
Faço calarem em minha mente
Lente que não demonstra todas as verdades
Quem os lê embriaga-se porulento -
Transpiração diáfana
Decantada desse chão de vaidades
Estamos acima de qualquer sujeira
Límpidos, isentos
Enganados.
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quinta-feira, julho 08, 2004
Se você está elaborando mentalmente algum tipo de pergunta sobre meu paradeiro, não se preocupe, ainda estou vivo.
1) Tem um virus chato no meu computador e dois anti-virus pesados e ineficientes atrapalhando que eu navegue pela Internet. A solução é formatar o HD e instalar tudo o que for útil outra vez, mas cadê meu tempo e minha organização? Alguém os viu por aí?
2) Puta que pariu! Merda! Quem inventou a droga da caricatura? Eu detesto essa porcaria bonitinha apelativa sentimentalista. Eu defeco pra essa merda toda humanizadinha cheia de personagenzinhos. Ai, que bosta! (Se eu desabafasse isso com alguém ia causar um certo espanto, então optei por não dizer, mas escrever no blog, porque é uma merda gente sorumbática me olhando - pelo menos hoje).
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sábado, julho 03, 2004
Porque não tomamos uma bebida mais forte agora?
Afinal, somos só uns cinco leitores contando comigo, e escrevo até mesmo para quem poderia ser meu vizinho, daqui de Brasília, que a conhece tanto quanto me perco no plano x/y e fora dele. Mais umas visitas esporádicas de São Paulo, um ou outro colega dali da UnB, alguns sujeitos bem peculiares e com quem compartilho de umas e outras simpatias, a namorada com dois anos de companhia e...
Ah, sim, é espantosa a companhia: do que nós gostamos é dessa morbidez solitária e estabilizada, uma duplinha perfeita, mas talvez seja para poder quebrá-la-quebrá-la-quebrá-la-...: destruição contínua. Mas é só hipótese, e quem não concorda com essa forma de matar a si e a outros junto não pode fazer o que faço. Nem namorar e ser fiel, nem trabalhar em atividades técnicas e repetitivas, nem estudar em uma Universidade, nem tentar ser chato, incoveniente ou sóbrio demais. Não pode também confessar essas coisas em um blog, porque isso pode comprometer certos propósitos, pode deixar transparecer certo sadismo em asfixiar o mundo consigo.
Quem, afinal, não gosta de deixar uma fumaça arder laringes, fagócitos, narinas e entupir vasculares? Quem não experimentou um dia, silenciosamente, o torpor da morte anestesiando a carnalidade das coisas reais? É uma força maníaca e psicótica que nos coage na intimidade. Esse é o sadismo de apresentar o vazio incômodo presente nos heróis ansiosos e permitir um pouco de nojo por quem não entende o que vê ou, como um professor que olha um quadro, entende tanto que acaba achando ser inverdade. Não pode haver no sarcasmo tanta clareza técnica.
Enfim, senhores, de volta às férias pela UnB, após o auge do meu treinamento excentricista, um semestre de dedicação em ser chato, sou novamente quem sou, esse tímido-introvertido. Alguma coisa, entretanto, uma fagulha, mudou a pólvora comprimida na visão-vista. Haja falsidade nesse teatro, mas adoro todos de amor profundo e verdadeiro.
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sexta-feira, junho 04, 2004
Tudo muito complicado...
Porque ser hermético?
Como ser hermético?
Como não ser hermético?
Hermetismo se consegue abrindo os olhos,
Só não consegue cerrá-los mais.
Vendo, assim, muito e pouco
É muito mais simples
do que atentado.
É solitário,
Tanto quanto o direto e claro,
porque simples é edição
canhestra de moto-catástrofes dialéticas.
Objetividade provoca
Eu lírico.
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sábado, maio 29, 2004
"Sus, tomemos um escritor deveras límpido e irrepreensível. Não vale a pena submeter a um exame geral exatamente este ponto: se, em poesia e prosa, devemos preferir uma grandeza com alguns defeitos, ou uma mediocridade correta, em tudo sã e impecável?" (LONGINO. Do Sublime).
Certo dia me disseram que uma obra de arte tem que ser bela. "A beleza é a harmonia de todas as partes". Quantas pessoas se identificam com essa frase um tanto sintática? Dizei-me, então: "é nisso que está a perfeição de sua construção, pois é sintática e além disso é simples!". Respondo que quem engana estará fora da República, e essa simplicidade é forja da falácia.
Não quero dizer que existam frases assintáticas, mas que, como se pode ouvir em alguma música do Radiohead, o que se sente nem sempre existe. Harmonia, por exemplo, é algo um tanto fugidio, miragem etílica. No pós-tudo não há um impulso que, descoberto, é omitido em nome da forma sensível e da dosagem equilibrada. Por exemplo: a pobreza foi um tema não-grego, desarmônico, para Portinari, mas não há muito tempo, visitei à retrospectiva do artista plástico Milton Ribeiro, e lá estava a pobreza harmonizada. Algo pareceu conraditório: estudos do expressionismo.
Tanto o expressionismo quanto o meio, ou a mediação, marxista, podem ser condenados e executados sem merecimento. Todo meio é ignorância, assim é aceito na ligação fácil que se faz entre a beleza e os clássicos. Esse desconhecimento, entretanto, é uma das verdades do trabalho. Se atribuem ao modelado por veladuras status de técnica suprema, qual seria o motivo? Será que foi ingênuo o italiano que pensou que seu grande painel não era um rascunho, mas uma Obra com "O" maiúsculo?
Dedicar-se ao trabalho de imitação e ao ensinamento não gera equilíbrio, nem harmonia, a não ser em relação a uma estrutura singular. Assim, no momento em que colocamos na boca dos clássicos, e nossa, uma leveza atribuída tanto a eles quanto a Salvador Dali, lemos dos nossos antigos algo que demonstra nossa própria alienação quanto à fantasia surrealista. "Suponhamos que um pintor entendesse de ligar a uma cabeça humana um pescoço de cavalo, ajuntar membros de toda procedência e cobri-los de pernas variegadas, de sorte que a figura, de mulher formosa em cima, acabasse num hediondo peixe preto; entrados para ver o quadro, meus amigos, vocês conteriam o riso? Creiam-me, Pisões, bem parecido com um quadro assim seria um livro onde se fantasiassem formas sem consistência, quais sonhos de enfermo, de maneira que o pé e a cabeça não se combianssem num ser uno." (HORÁCIO. Arte poética). Eis a estrutura ora refutada, ora ensejada, à qual se costuma atribuir uníssono que não pode ser, senão, nosso mesmo, o público leigo dos OUTROS, distantes e mortos, nos quais só vemos espelho e contigüidade.
Todavia, de fato, a estrutura daquele trabalho ligado ao saber clássico, hoje, parece tão longe quanto os poetas latinos e o ditirambo. Em lugar desse, temos o baile funk, mas também conhecimento de várias verdades. Admite-se, por exemplo que, em lugar da veladura finíssima e delicada, metam-se empastos grossos, suculentos e desconformes e, em lugar da dedicação ao aprendizado da fineza, o afinco ao estudo da grossura. Todavia, o artista, nos dois casos foi considerado legítimo para expressar sentimentos da alma por repetir procedimentos. Tanta expressão não estaria, ao contrário, justamente naquilo que não é considerado? À margem corre o erro, a "grandeza com alguns defeitos" de um antigo anônimo, marginal, que hoje chamam de Longino.
Já que a perfeição, a beleza e a harmonia são vistas simultaneamente de pontos de vista tão diversos, poderíamos dizer: trabalhar é ser ignorante. Hoje, os croquis de Leonardo são expostos em grandes museus e em galerias internacionais, atraindo enorme quantidade de público leigo afeito à beleza clássica estratificada no meio de um sistema sem ordem e massificado. Justamente esses rascunhos subtraídos quando a pintura não tem furos, apenas é imagem convexa, são a prova do lesbianismo e da imperfeição enrustidos na idealização estéril, por mais prazerosos que sejam.
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sábado, maio 01, 2004
Dia do trabalho
Só em São Paulo -
Milhares na Praça da República.
Em Brasília, doze horas.
Há dois anos eu pisava naquela cidade: meu eu retrógrado entrou em revolução.
_______________________________
E o filme proibido está no ar. Senhoras e senhores, mais que o enterro de Di Cavalcanti, o poema de Glauber Rocha:
http://www.dicavalcantidiglauber.us/
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sábado, abril 17, 2004
A surrupiação
UnB - segunda-feira, 12 de abri de 2004: a história do Centro Acadêmico de Artes Plásticas da Universidade de Brasília foi queimada após seu armário ser arrombado e Departamento ter dado baixa no móvel. Não se identificou ainda o autor da surrupiação. Nem todos a rondar a área são confiáveis e o próprio VIS (Departamento de Artes Visuais) esteve, durante a semana, levando para o depósito móveis sem dono que ocupavam o antigo espaço do Centro Acadêmico.
O armário contendo toda documentação do CAPLAS, incluindo atas das reuniões e registros diversos desde sua fundação, ocupava espaço provisório, definido em votação do colegiado e intercalado com aulas. Lá mesmo se perdeu o maior e mais relevante patrimônio representativo da participação política organizada dos Estudantes de Artes Plásticas. O evento marca o cume de uma série de golpes sofridos contra a reestruturação de base tentada desde o início de 2003.
De lá pra cá, inúmeros incidentes desgastaram a relação entre os representantes dos estudantes e a chefia de departamento. Nesse ínterim, merecem destaque crítico tanto a inexperiência do CAPLAS e sua atuação informalista quanto postura ambígua da Chefia a despeito das reivindicações dos estudantes, o que também é validado pela informalidade generalizada. Alguns eventos exemplificam essas prerrogativas negativas e valem ser postos novamente à tona.
Quando se sabia, diante de anúncio oficioso, mas sem assinaturas, da participação do CAPLAS em comissão para reestruturação de espaço, a tal resolveu às escuras reunir-se à parte, esquecendo, cinicamente, os estudantes. Nessa mesma ocasião, por três vezes, duas seguidas, o mesmo assunto de pauta foi omitido pela chefia em reuniões de Colegiado. O assunto era a reinclusão do CA nas conversas sobre reestruturação do espaço físico do VIS.
Entretanto, diante de pressões e traumas a pauta foi aberta. Alegando que o CAPLAS não tinha atividade visivelmente constante, o Colegiado votou pela divisão do Ateliê 1 entre CA e aulas. A proposta abaixo-assinada pelos estudantes e encaminhada ao Chefe de Departamento era ocupação integral do espaço, bem como a melhoria de suas condições de segurança e início de direcionamento a atividades com a comunidade. A negação a esse pleito exacerba-se com o fato de dois alunos de Artes Plásticas terem sido pegos em flagrante furtando o PC do CAPLAS, doado por uma de suas colegas. O aparelho teve perda total ao cair das mãos de um dos criminosos.
Como atos exemplares, no entanto, vieram queixa à polícia e punição (à altura ou não), tanto do criminoso maior de 18 anos e de seu pupilo, quanto de todos os outros alunos. Reclamam os que não possuem micro que, além de serem prejudicados ao realizar seus trabalhos acadêmicos, ainda têm de conviver com impossibilidade de uso do laboratório localizado dentro do próprio VIS.
É de se espantar, portanto, que um corpo discente já descrente e apático com relação a políticas e reformas na Universidade, em seu currículo e na infra-estrutura de seu curso tenha passado por surrupiação tão pungente. A extensão histórica da passagem de gerações de aprendizes, que antes tinha seu espaço, ainda que pequeno, em algumas prateleiras de um armário velho, agora só existirá em fragmentos longínquos, em memórias tão fugazes quanto nossa carne. Apodreceremos todos em meio a esse mal, patético, que é a reivindicação egoísta da fala e do poder, do esqueleto, do espaço e das futilidades de que todo corpo oco diante de egos heróicos se enche ao tentar extinguir Histórias. A verdadeira tautologia do vazio.
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027
Quem morre faz poesia.
Viva.
A Língua grassa agonias,
Dita -
Doura
E finca a daga impávida
Chofra -
Dor sente quem a instiga,
Arde,
Pensando que poesia
Salva.
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domingo, março 28, 2004
repulsa ao sexo em uma introdução para dissertações de vestibular
Carol entrou no escuro. Do salão de beleza foi pra casa, fechou as cortinas, apagou as luzes. Esse é o aspecto alegórico de interiorização anômica visto em Repulsa ao Sexo, filme sobre o conflito pessoal de Carol diante da sexualidade e das suas relações familiares. Círculos de freqüência masculina, o bar, e feminina, o salão de beleza, constituem partes do drama da personagem. Assim, de limites do discurso social e familiar, vai-se a limitações do indivíduo.
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começo feliz
Cinco pessoas no primeiro encontro do novíssimo grupo de estudo de fotografia mostraram grande diversidade de intenções como fator preponderante. A qualidade marcada por cada participante dispensa a inflação exarcebada de pessoas, o que não impede a quantidade de adeptos estar aumentando pouco a pouco. Novos pensadores se apresentarão dentro de cerca de uma semana, quando todos proporão plano de ação individual para os próximos meses. Além dessa atividade pessoal, proposta de aprendizado e investigação conjuntos deverá ocorrer.
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Sobre a surrupiação: o que aconteceu de espantoso na semana passada.
O que é um oceano visguento? Aquele do qual não se vê o fundo, mas do fundo vem o que nos olha e novamente afunda. Assim, do fundo novamente surge algo mais de desconhecido que também nos olha. É assim a maré de que nos fala Didi-huberman, a que se dá ao conhecer do mundo; conhecimento que só percebe na medida em que todo o mais se oculta. Esse mundo se assemelha ao maior de todos os mistérios, que é o túmulo, sobre o qual pensar, em seu sentido simbólico e espiritual, levará sempre novamente à coisa-no-mundo, ao ser-no-mundo de Heidegger. Então o mistério que produz a sensação tanto do conhecer quanto do não saber, forma um sentido de existência, de presença de si no mundo.
Se o sentido daquele que olha é aquilo que é visto, então, o que acontece quando é surrupiado aquilo que se vê e que nos olha? O que ocorre quando algo ou, sobretudo alguém que nos agrada conhecer (logo, desconhecer) desaparece misteriosamente sem deixar rastro? Resposta (nunca) em breve.
Postado por allan de lana às 2:31 AM 0 comentários
domingo, março 21, 2004
Hoje não tenho assunto, mesmo passada uma semana do último post. O motivo é o grande espanto que nesse momento procuro rechaçar e que está presente em todos os meus pensamentos, absolutamente irrefutável. Sim, porque me faz debelar com minhas crendices e ao mesmo tempo torna literais muitas metáforas e algumas hipóteses que sustentam teorias impressionantes.
Como é difícil encarar certos acontecimentos que mais parecem mitologias, deixarei uma pista novamente metafórica dessa angústia. Imagino, ao mesmo tempo, o quanto já deixou de ser dito para ser proposto assim, alegoricamente e esvaziado... Seguirei, entretanto, nesse rumo mais ameno.
A hipótese é: às 16h você está diante de uma paisagem que o agrada. Num momento em que ainda está em contemplação, certa brisa forte incomoda seus olhos. Então, você pisca, tampando a fronte com as palmas das mãos, franzindo o cenho e enclinando para baixo o rosto, como proteção. Logo cessa a brisa mais forte e você retoma sua posição de contemplar. Mas, para sua surpresa, não encontra mais a paisagem que antes via. Está no mesmo lugar, sentindo a mesma brisa, mas em lugar da paisagem há um recorte fulcral e somente negrume, como se uma tesoura houvesse destacado desde o céu até certa altura da vegetação e uma varinha de condão tivesse sumido com esse pedaço recortado. Você gela, tenta acordar, mas não é sonho, seu coração dispara; quanto mais tenta entender, maior o incômodo. E agora?
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Incomodado e vivo
Mas muita coisa ainda existe e coisas boas continuam acontecendo. Por isso, anuncio, o primeiro encontro do grupo de estudo de fotografia será amanhã, às 19:30h, no Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul. É um encontro bom e importante. Você aí, que gosta de pensamento e de fotografia, está convidada(o).
Postado por allan de lana às 12:02 PM 0 comentários
domingo, março 14, 2004
ponto refinal
Ah, o que dizer nessa hora que passa sem que ninguém descubra o que quer que seja? Passou... Acabou... Morreu... Mas aí tudo continua. Altares vão sendo erguidos para adoração de imagens cada vez mais vazias, mais invisíveis, a ponto de os adoradores pensarem que não adoram nada. Às escuras, toda fé aumenta a cada dia e adora ilimitadamente.
Amanhã vamos à Universidade. Em busca vaga por um ponto ínfimo, aquela questão que incomoda, será acrescentado mais um pedaço de merda ao altar imaginário. O pior é que "a pergunta que não quer calar" sequer existe. Os objetos desses pensamentos que buscam isenção e querem VERDADE são pura impotência travestida.
E eu estarei lá, com todo o meu ceticismo e sem esperanças na tal Universidade pública e de qualidade. Todos procurando aquela palavra, aquela COISA, aquela resposta. E o semestre vai passar sem que ninguém descubra nada. Isso é uma angústia, principalmente porque sou assim também, o tempo todo em busca, e posso dizer que é um incômodo. Preferível seria o Jardim do Éden com a Eva de perna aberta...
Dormir nas férias estava tão bom...
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Parabéns à poesia pelo seu dia!!!
Postado por allan de lana às 8:01 PM 0 comentários
domingo, março 07, 2004
fotografando a Arte 1,99
Quem não foi ainda à exposição Arte 1,99 na galeria da UnB (406 Norte) precisa ir logo, caso não queira perder. Ela fica aberta de 13 a 19h, de terça a sábado. Acredito que não conseguirá manter-se até a quarta-feira, porque estão comprando tudo. Achei bastante surpreendente a elaboração que a Patrícia Bagniewski conseguiu nesse trabalho e pude notar que algumas questões interessantes para mim estão lá nela também. Adquiri um livrinho fofinho com uma tesoura, contendo instruções de ler o livro fofinho e picotá-lo com a mini-tesoura colegial. Isso, apesar de conter uma idéia de infantilidade nos objetos, me conduz diretamente ao pensamento do personagem de Dostoiévski em "Memórias do Subsolo" reconhecendo com um certo deboche o prazer que se tem em sofrer. E ele mesmo sofria, e sofria porque nisso tinha prazer. Mas, diferente daqueles que gemem quando estão doentes, não pretendia esconder sua vontade de dor sublimada no gemido. Não entrarei em pormenores psicanalíticos. Basta notarmos apartir de um semelhante - o personagem citado, auto-denominado um rato - essa vontade de auto-flagelar-se ou buscar o cáustico como fórmula do prazer. Isso basta, pois "a mente perspicaz é uma doença" (como seria entrar em pormenores psicanalíticos), visto que nos leva à negação desse princípio em função de um distanciamento da matéria e do sentir para instaurar-se a palavra no lugar da coisa. E vendo naquela inocência infantil dos materiais a minha própria incapacidade de ser mais do que uma criança, ou seja, de não poder sentir mais do que ninguém aquilo que se põe no meu caminho e que resolvo notar à minha maneira, me figuro imediatamente no livro. Tenho vontade, então, de picotá-lo até mesmo com a tesoura cega!!! Mas não abrirei sequer a embalagem.
É essa a dor inteira de uma obra de arte ou de uma fotografia e, além do mais, no caso dessa, um sentimento de que jamais algo fotografado será recuperado, mas justamente por parecer que sim, que de todas as maneiras o fotografado está ali impresso. Isso não passa de baixeza e enganação.
Comecei nesse assunto agora para falar do grupo de estudo de fotografia. Ele começou a ser divulgado ontem, amanhã será mais um pouco, e até a quinta-feira devo publicar no grafias o projeto completo para aqueles que aderirem ao grupo.
Bom domingo e ótima semana pra vocês. Não esqueçam de ir à "Arte 1,99".
Postado por allan de lana às 4:21 PM 0 comentários